Domingo, 23 de outubro de 2016
Ao contrário do que o
senso comum acredita, o crack não causa exclusão social. Pelo contrário,
segundo especialistas, o uso da droga é consequência de uma vida precária que
leva à dependência e faz com que muitos sejam encontrados em situação de
pobreza extrema, usando a droga nas ruas de cidades brasileiras, vulneráveis a
riscos, como homicídios. A constatação é de Pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz) divulgada hoje (21), no Rio de Janeiro.
Depois de analisar
cerca de 200 entrevistas com usuários e profissionais de saúde mental, o
levantamento mostra que o uso da droga apenas piora a situação de pessoas que
não tem laços familiares, moradia, trabalho e estudo - problemas que chegaram
antes da dependência.
"O crack não é a
causa da exclusão, é um elemento a mais, que reforça a exclusão social,
processo que é anterior [à droga], no entanto, é reversível”, afirmou um dos
autores da pesquisa, Roberto Dutra Torres, professor da Universidade Estadual
do Norte Fluminense (UENF), ao divulgar os resultados, na Fiocruz. “Ninguém
vira zumbi pelo crack”, reforçou.Segundo ele, reverter
a dependência é possível por meio de políticas públicas sociais, de saúde e de
reintegração na comunidade e nas próprias famílias. Como exemplo, citou o
programa da prefeitura de São Paulo, De Braços Abertos, que tirou usuários das
ruas do centro, oferecendo moradia em hotéis próximos e empregos como gari,
pagando salário e oferecendo tratamento.
As análises
divulgadas hoje são um desdobramento da Pesquisa Nacional sobre o Crack, encomendada
em 2014 pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), que traçou
um perfil dos usuários da droga. O estudo identificou que compõem menos de 1%
da população –bem menos do que dependentes de álcool– chamando atenção para o
“pânico social” criado em torno do crack. A situação gerou estigma e afastou
usuários da cidadania, diz o texto.
Apoio aos usuáriosO psiquiatra Leon Garcia, ex-diretor de Articulação e Projetos da Senad,
lembrou que, nos questionários, quando perguntados sobre o que precisavam para
largar a droga, as respostas dos usuários eram claras: um local para morar,
para tomar banho, para comer, trabalho e tratamento. “A gente precisa atender a
essas necessidades. Não podemos achar que a internação é uma solução para
todos”, afirmou. Na psiquiatria, lembrou, a necessidade de internação é uma
exceção e o desafio é manter pessoas longe das drogas no cotidiano de cada uma.
“Para conseguir isso
[que pessoas se afastem do crack], se eu estou morando em um lugar onde eu
consigo dormir à noite, em vez de estar na calçada, talvez, isso me faça usar
menos drogas, como mostram análises sobre o programa de São Paulo, no qual o
consumo individual caiu 60%”", acrescentou o especialista, que participou
da divulgação do estudo hoje no Rio.
Antes, na capital
paulista, usuários moravam em barracas, fumando pedras nas ruas, como ocorre
bem perto da Fiocruz, com dependentes morando às margens da Avenida Brasil.
Dados já divulgados
mostram ainda que a maioria dos usuários de crack são homens negros, de até 30
anos, sendo que 40% vive nas ruas e são mais suscetíveis a homicídios do que o
restante da população. Eles também são mais vítimas de violência sexual do que
a média.
As entrevistas da
Fiocruz foram realizadas na região metropolitana de Porto Alegre, Rio de
Janeiro, Fortaleza, Recife, Salvador e Campos Goytacazes, no norte-fluminense.
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