Quarta-feira, 23 de novembro de 2016
Imagine que o atual formato de Mundial de Clubes sofra uma grande
mudança e sua essência seja completamente desfigurada. Antes apenas um jogo
entre os campeões da Europa e da América do Sul, a Copa do Mundo de Clubes da
Fifa pode se transformar em um evento garboso a cada quatro anos, com os 16
melhores do mundo. A não ser que você não se importe em perder a chance de ver
o seu time disputando a taça com o vencedor da Liga dos Campeões no fim do ano,
a proposta da Fifa de remodelar o torneio é desnecessária.
Tudo bem que algumas
tradições não valem de muita coisa no futebol atual e que o próprio Mundial
perdeu um pouco de sua relevância quando os europeus deram um salto
irreversível de qualidade e criaram um abismo para os sul-americanos. A última
decisão realmente equilibrada entre os dois lados foi em 2012, com Chelsea e
Corinthians, em vitória do Timão com gol de Guerrero. Mas fato é que quase
sempre, desde 2005, o europeu chega com enorme vantagem e chance de golear os
sul-americanos. Podem até dizer que as equipes do Velho Continente não se
interessam tanto pela taça, mas é fato que elas tem dez vezes mais chances de
conquista-la, mesmo assim.
Certo, mas já que começamos falando de tradições, como seria então
abolir a disputa do fim do ano, aquele bônus para quem já venceu a competição
de seu continente e quer desafiar os melhores do planeta? Como fica isso? Estar
neste novo campeonato mundial pensado pela Fifa com 16 clubes não significa que
você tenha sido campeão, o que tira um pouco o aspecto de exclusividade. Abolir
a “Copa Intercontinental” e transformar o Mundial em um evento mais democrático
pode até ter servido como propaganda da entidade entre as confederações
menores, mas a discrepância técnica fica evidente. Casos como o Mazembe e do
Raja Casablanca são exceções que confirmam a regra: a final será entre o
europeu e o sul-americano.
Ainda que as torcidas considerem como maior conquista a
Libertadores ou a Champions, ainda é indiscutível o valor que tem um Mundial de
Clubes. Basta lembrar do feito heroico do São Paulo em 2005 contra o Liverpool,
do milagre do Internacional ante o Barcelona em 2006 e da façanha corintiana em
2012 frente o Chelsea. Para as equipes sul-americanas, o Mundial é a maior taça
possível, aquilo que os jogadores passam o ano inteiro sonhando em levantar.
A ideia da Fifa e de
Gianni Infantino, seu novo presidente, é mudar a disputa da base anual para
quadrienal e no mês de junho, como seria uma Copa do Mundo de seleções. Mas
isso não acontecerá antes de 2019. E tampouco Gianni deixou claro como seria a
fase seletiva para definir os participantes. O que se sabe é que uma expansão
inicial de 16 clubes está na mesa, com possibilidade de chegar a 32.
Tudo bem, aí chegamos a
outra hipótese. Se juntarmos os últimos 4 campeões continentais para este
torneio, teremos 24 participantes na nova Copa do Mundo de Clubes. E caso algum
deles se repetisse, o vice-campeão continental teria uma vaga. Com tempo para
se preparar e fortalecer o time, a competição se valorizaria. Mas ainda
assim, haveria uma lacuna do confronto anual em dezembro a ser preenchida. Os
europeus adorariam, já que disputar o Mundial atual é um transtorno para o
calendário.
Se realizar o
campeonato de quatro em quatro anos e com os últimos campeões for uma coisa
satisfatória para todos os envolvidos, talvez o novo Mundial de Clubes tenha
sucesso. Infantino já declarou algumas vezes que “o futebol não é só América do
Sul e Europa”, mas os resultados do torneio de clubes e da própria Copa do
Mundo mostram o contrário. Podemos até gostar de surpresas eventuais, mas no
fim das contas, serão sempre os mesmos disputando o título. Por que então
alterar uma fórmula que vem dando certo para agradar outras federações? O
dinheiro é tão mais importante do que o resto?
O pior mesmo é saber que quem teria direito a disputar o Mundial
por vencer a Libertadores terá ainda menos chance de bater os europeus, já que
a concorrência vai aumentar de forma considerável. Se já era difícil antes,
imagine com pelo menos dois europeus credenciados e outros
sul-americanos de alto nível no bolo. Esqueça os asiáticos, africanos, os da
Oceania e da América Central. Não importa o que a Fifa faça, só duas forças vão
estar aptas a disputar a decisão. Aí a mudança vai refletir mais na perfumaria
e no recado democrático da Fifa no que exatamente uma competição importante
como esta.
Em suma: o novo modelo
de Mundial proposto pela Fifa não é o fim do mundo e nem a destruição do
futebol como conhecemos. Uma nova estrada desnecessária construída a partir do
acostamento da original. Pode até ser uma alternativa para acabar com a insossa
Copa das Confederações, mas analisando de acordo com o contexto atual, é mais
um inchaço megalomaníaco proposto pela mesma gestão que quer fazer a Copa do
Mundo com 48 seleções e um mata-mata que antecede a fase de grupos.
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