Quarta-feira, 04 de maio de 2018
OMS deve incluir em 2019 o "transtorno do
comportamento sexual compulsivo" em sua lista de Classificação
Internacional de Doenças
Segundo especialista, compulsão sexual pode ter "efeito devastador" sobre a vida das vítimas e de seus parceiros. Getty Images
O vício em sexo divide a opinião de especialistas, mas para
algumas pessoas é uma condição bastante real que pode ser vergonhosa e até
"destruidora de vidas". A própria Organização Mundial da Saúde (OMS)
deve incluir, em maio de 2019, o "transtorno do comportamento sexual
compulsivo" em sua lista da Classificação Internacional de Doenças.
Enquanto isso, no Reino Unido, a
instituição beneficente de apoio a relacionamentos Relate tenta viabilizar
suporte às vítimas por meio do sistema público de saúde, o NHS.
Atualmente existem terapias e trabalhos em grupo disponíveis
nessa área, mas a maior parte é paga.
"Para alcoólatras, há o Alcoólicos
Anônimos, mas eles também podem ir ao NHS, que dá apoio a quem tem problemas
com álcool ou drogas", diz Peter Saddington, da Relate.
"Os viciados percebem que
estão causando danos, mas não conseguem parar e reconhecem que precisam de
ajuda para mudar isso."
"Seria apropriado que
viciados em sexo também pudessem ir ao seu médico de família para obter apoio,
porque isso tem um efeito devastador sobre eles, sobre seus relacionamentos,
sobre suas famílias, sobre sua situação financeira e saúde mental".
A seguir, duas pessoas que
sofrem do vício relatam como o transtorno afetou suas vidas:
'Passei a evitar a convivência com outras pessoas, me isolei'
"Até fazer sexo cinco vezes
ao dia não era suficiente", diz Rebecca Barker, mãe de três filhos, que
viu a compulsão tomar conta de sua vida em 2014. E arruinar seu relacionamento.
Por causa do vício, ela ficava
constantemente pedindo para fazer sexo com o parceiro.
"Era literalmente a
primeira coisa em que eu pensava quando acordava. Eu simplesmente não conseguia
tirar isso da cabeça", diz a mulher de 37 anos, originalmente de
Tadcaster, em North Yorkshire, na Inglaterra.
"Eu sentia que tudo remetia
a isso. Acho que tinha a ver com minha depressão e com a falta de serotonina.
Eu sentia como se meu corpo inteiro estivesse desejando isso".
"Me dava uma satisfação
instantânea e cinco minutos depois eu queria (sexo) de novo."
"Passei a evitar a
convivência com outras pessoas, me isolei. Ficava em casa porque me sentia
envergonhada por só conseguir pensar naquilo. Mesmo que ninguém pudesse ler
minha mente, ainda me sentia muito desconfortável por estar perto de outras
pessoas."
A dependência de Barker trouxe
sérios problemas a seu relacionamento. Embora seu parceiro tenha gostado da
situação no início, ela acabou se tornando insuportável.
"Ele estava bem com isso no
início, mas no final não conseguia entender de jeito nenhum. Depois de alguns
meses, começou a levantar questões sobre as causas, sobre de onde isso vinha.
"Ele me acusou de ter um
caso - pensava que eu deveria estar me sentindo culpada e que queria fazer sexo
com ele para compensar."
Rebecca: "Mudei muito meu estilo de vida para superar a depressão e o vício, e acho que tem funcionado". BBC BRASIL
Em novembro de 2014, Barker "precisou de um tempo" no
relacionamento e foi ficar com a mãe.
"Quando saí, disse ao meu
parceiro que precisava melhorar. Ele me deixou ir e nosso relacionamento acabou
muito rapidamente depois disso.
"Eu estava sob os cuidados
de um psiquiatra na época - ela dizia com frequência que mudaria minha
medicação, mas nunca disse que havia algum grupo de apoio (para pessoas com
esse tipo de problema) ou algo assim."
Barker foi diagnosticada com
depressão em 2012 após o nascimento de seu terceiro filho. Ela disse que depois
de a doença ter se intensificado em 2014, mudou de emprego, se separou do
parceiro e se mudou para a França.
"Mudei muito meu estilo de vida para superar a depressão e
o vício, e acho que tem funcionado", disse ela.
O que é vício em sexo? A Relate
define esse vício como qualquer atividade sexual que cause a sensação de estar
"fora de controle". A Associação para o Tratamento de Dependência e
Compulsão Sexual diz que o seu quadro de terapeutas sexuais duplicou nos
últimos cinco anos, para 170 profissionais.
Um questionário respondido por
21.058 pessoas desde 2013 no site Sex Addiction Help, de apoio a dependentes,
revelou que 91% dos que procuravam ajuda para o vício em sexo eram homens. O
maior grupo etário, correspondente a 31% dos entrevistados, tinha entre 26 e 35
anos, 1% tinha menos de 16 anos e 8% mais de 55. O NHS diz que os especialistas
discordam sobre se é possível se viciar em sexo e indica a Relate para ajuda
adicional nessa área. 'É como ser um alcóolatra - e não há nada de sexy nisso'
Graham - nome fictício para
proteger sua identidade na reportagem - disse que sua compulsão o levou a trair
sua esposa com "centenas" de profissionais do sexo e que isso o
deixou com uma "culpa enorme".
"Quando você está
completamente viciado, fica obcecado e só pensa nisso - da hora em que acorda
até ir dormir."
"Foi uma experiência
horrível e asquerosa - não há nada de sexy nisso. Quando você acorda de manhã
com clamídia (doença sexualmente transmissível), não é sexy."
"É prejudicial e destrói a
vida."
Graham. de 60 anos, diz ter traído e esposa com 'centenas' de profissionais do sexo e que isso o deixou com uma 'culpa enorme'. Getty Images
Graham, que tem cerca de 60 anos, estima ter pagado centenas de
libras mensalmente por sexo, durante vários anos, mesmo tendo construído
relacionamentos com algumas das garotas de programa.
"O que começou com um caso
no trabalho levou a outro - mas, ao contrário da maioria dos casos de
escritório, o meu era um vício que eu tinha de alimentar todos os dias."
"Você tem um caso e depois
quer outro e outro."
"Logo percebi que o jeito
mais rápido e conveniente de alimentar meu vício era pagar por isso. Eu estaria
com acompanhantes, profissionais do sexo, três ou quatro vezes por
semana."
"É como ser um alcóolatra,
é um ciclo que você constrói na sua cabeça - você cria toda uma expectativa
imaginando como aquilo acontecerá - e você vai e faz conforme planejou."
Remorso
"E quando termina, vem o
remorso, você diz que nunca mais vai fazer isso".
Graham parou de levar sua
"vida dupla terrível" quando sua esposa descobriu um e-mail suspeito
e o confrontou.
Ele buscou ajuda do Viciados em
Sexo Anônimos (SAA, da sigla em inglês), que tem 78 grupos de autoajuda no
Reino Unido, e disse que se absteve de sexo extraconjugal por vários anos.
"Quando fui descoberto,
lembro de sentir algo como 'graças a Deus - alguma coisa pode mudar'."
"Eu fui ao SAA, que oferece
um tratamento baseado na abstinência. Eu chamo de ir da vergonha à
dignidade."
"É um grande alívio ir às
reuniões e descobrir que há outras pessoas tão infelizes - e sórdidas - quanto
você.
"Para as pessoas que estão
nesta situação, eu só quero que saibam que há uma saída e que é possível
quebrar o ciclo."
BBC Brasil