Quarta-feira, 10 de julho de 2019
Sistema
prevê a adesão automática no repasse, sem consentimento, de informações de
histórico de pagamento de cidadãos a escritórios de crédito
Imagem ilustrativa (Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)
Entrou em vigor nesta terça-feira (9) o cadastro
positivo compulsório. O sistema, instituído na Lei Complementar 166, de abril
deste ano, prevê a adesão automática no repasse, sem consentimento, de
informações de histórico de pagamento de cidadãos a bureaus (escritórios) de crédito (como Serasa e SPC –
Centralização de Serviços dos Bancos e Serviço de Proteção ao Crédito).
Eles servirão de base para atribuição de notas
de crédito a cada cidadão, que serão utilizadas como referência na tomada de
empréstimos e realização de crediários, entre outras operações.
O cadastro positivo já existe no país. Contudo,
dependia da autorização do indivíduo para que fosse incluído na lista.
A diferença da nova modalidade consiste na adesão
automática, sem que a pessoa tenha de dar qualquer permissão para que
informações de histórico de pagamento possam ser avaliadas pelos bureaus de
crédito para formar as notas.
Serão avaliados os “dados financeiros e de
pagamentos, relativos a operações de crédito e obrigações de pagamento
adimplidas ou em andamento”, conforme descrito na lei.
Entram aí, por exemplo, o quanto uma pessoa atrasou
pagamentos de contas ou de cartão de crédito, que dívidas ela tem, com que
empresas e sua capacidade financeira de arcar com compromissos adquiridos.
Podem, inclusive, ser consideradas informações de desempenho também dos
familiares de primeiro grau.
A lei vetou o uso de algumas informações pessoais
dos cidadãos para a formação da nota, como as que “não estiverem vinculadas à
análise de risco de crédito e aquelas relacionadas à origem social e étnica, à
saúde, à informação genética, ao sexo e às convicções políticas, religiosas e
filosóficas”.
Essas notas (ou score, no termo em inglês utilizado entre as empresas)
podem ser empregadas por empresas e instituições financeiras para determinados
tipos de transação.
Cada empresa vai definir a forma de adotar as notas
e que tipo de restrição determinados índices podem trazer, como na
diferenciação de condições, taxas de juros ou de acesso a serviços.
Recusa
Os consumidores que não quiserem ter seus dados
incluídos no cadastro positivo podem solicitar a retirada. Essa requisição deve
ser feita juntamente aos bureaus de
crédito, como Serasa, SPC e Boa Vista Serviços.
Caso a pessoa desista da saída do sistema, pode
pedir o retorno ao cadastro. Esses procedimentos podem ser realizados
presencialmente ou por meio dos sites dessas
empresas.
A diretora de Operação de Dados da Serasa Experian,
Leila Martins, disse que o consumidor também pode requisitar aos bureaus a disponibilização das informações sobre ele
e cobrar a correção em caso de dados errados.
“Se ele entende que tem algum dado que não
considera correto, pode contestar. A fonte que deu origem tem que responder”,
explicou.
Benefícios
Para o presidente da Associação Nacional dos
Bureaus de Crédito (ANBC), Elias Sfeir, o novo sistema pode gerar
benefícios aos consumidores.
“Com o cadastro positivo você tem uma pontuação
mais próxima realmente do seu comportamento. Tendo essa pontuação mais próxima,
os agentes de crédito podem fazer melhor avaliação e dar uma taxa melhor de
juros, considerando o seu perfil”.
A promessa do novo cadastro positivo é que com tais
informações, bancos, fintechs e outras instituições reduzam taxas e juros.
Segundo Sfeir, em países que adotaram esse modelo
houve queda de 45% da inadimplência, o que causou impacto na redução de spreads bancários. Com isso, haverá espaço para
incluir pessoas no sistema de crédito, beneficiar micro e pequenas empresas e
aumentar a arrecadação.
Riscos
Na avaliação do coordenador de direito digital do
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Diogo Moyses, além do
cadastro positivo violar a privacidade dos consumidores, há problemas a serem
resolvidos na sua implementação.
O primeiro é o fato de a legislação apontar a
possibilidade de uso de alguns dados não expressos, o que abriria espaço para
abusos. Por isso, acrescenta, é importante que o Banco Central e a Autoridade
Nacional de Proteção de Dados (aprovada em lei neste ano, mas ainda não criada
pelo governo) regulamentem de forma detalhada os registros dos consumidores que
podem ser utilizados para a formação da nota.
A segunda preocupação envolve em que tipo de
transação a nota de crédito será admitida. Ele cita como exemplo as operadoras
de telefonia, que já estão restringindo o acesso a planos pós-pagos a pessoas
com notas baixas.
“Há um receio que o score seja utilizado para cercear o acesso dos
consumidores além das relações de crédito. Milhões de consumidores podem ser
excluídos economicamente. Em vez de gerar inclusão, o cadastro pode se tornar
instrumento de exclusão. Ainda mais com cenário de pessoas desempregadas e
aumento da inadimplência”, afirmou.
Agência Brasil