Segunda-feira, 08 de junho de 2020
O governo também deixou de divulgar o total de casos em investigação
para a doença, que até quinta-feira (4) era de 4.159.
O texto da nota argumenta que a divulgação dos dados de 24 horas permite acompanhar a realidade do país neste momento e definir as melhores estratégias para o atendimento da população. (Foto: Reprodução)
BRASÍLIA, DF
(FOLHAPRESS) — O Brasil restringiu a divulgação de dados sobre o impacto do
novo coronavírus no país. Desde a noite de sexta-feira, o Ministério da Saúde
não mais informa o total de mortes e nem o total de casos confirmados da
Covid-19 durante a pandemia.
O
portal do Ministério da Saúde com as informações consolidadas saiu do ar na
noite da sexta-feira (5), e só retornou na tarde deste sábado (6). Agora, a
página mostra somente os números registrados no último dia.
O
presidente Jair Bolsonaro confirmou a mudança na metodologia de divulgação
sobre vítimas da Covid-19 — que pode significar, na prática, a divulgação de
números de mortes menores —, engrossando as críticas de que o governo pretende
manipular dados da pandemia.
A pasta vai passar
a divulgar apenas os números de mortes e casos de infecção pelo coronavírus
registrados nas últimas 24 horas, o que resultaria em números muito inferiores
aos atuais. Desde o início da pandemia, o Ministério vinha divulgando com
destaque os números de mortes e casos que foram confirmados para a Covid-19 nas
últimas 24 horas, incluindo casos de mortes ocorridas em outras datas, mas cuja
confirmação para o coronavírus tenha ocorrido no último dia.
O
governo também deixou de divulgar o total de casos em investigação para a
doença, que até quinta-feira (4) era de 4.159.
As
mudanças ocorrem após dois dias seguidos com recorde de mortes e divulgação
tardia dos números. O país é o terceiro no mundo com mais mortes acumuladas em
decorrência da doença, mais de 35 mil, e acumula mais de 640 mil casos de
coronavírus, número que, segundo especialistas, pode ser múltiplas vezes maior
devido à baixa testagem no país.
Em
uma nota postada por Bolsonaro nas redes sociais, o Ministério da Saúde afirma
que o formato usado desde o início da pandemia não oferece uma representação do
"momento do país", posição que contrasta com a da maioria dos
especialistas.
Questionado
sobre a mudança da metodologia neste sábado (6), durante uma visita que fez a
Formosa (GO), Bolsonaro não quis responder.
As
movimentações do governo causaram fortes críticas nos meios político e
jurídico. Parlamentares veem risco de manipulação dos números e preparam ações
ao STF (Supremo Tribunal Federal) para garantir transparência sobre a realidade
da pandemia.
As
críticas se intensificaram também com declarações do novo secretário de
Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Carlos
Wizard, sobre recontagem do número de mortes causadas pela Covid-19, noticiadas
pelo jornal O Globo.
Em entrevista à
Folha de S.Paulo neste sábado, Wizard confirmou que há uma intenção dentro da
pasta de rever os critérios, mas para os próximos dados. "O passado já
passou, estamos preocupados daqui para a frente", afirma.
Na
quarta-feira, foram 1.349 óbitos. No dia seguinte, o Brasil teve novo recorde
de mortes (1.473), atingindo a marca de mais de um morto por minuto em
decorrência da Covid-19.
O
modelo que será abandonado também é usado na divulgação dos dados por
praticamente todos os países.
O
texto da nota argumenta que a divulgação dos dados de 24 horas permite
acompanhar a realidade do país neste momento e definir as melhores estratégias
para o atendimento da população.
"A
curva de casos mostra as situações como os cenários mais críticos, as reversões
de quadros e a necessidade de preparação", informou o texto, que em
seguida critica o modelo anterior de divulgação.
"Ao
acumular dados, além de não indicar que a maior parcela já não está com a
doença, não retratam o momento do país. Outras ações estão em curso para
melhorar a notificação dos casos e confirmação diagnóstica", afirma o
texto da nota.
O
Ministério também defendeu a divulgação dos dados tarde da noite, após as 22h.
Na nota postada por Bolsonaro, a pasta argumenta que havia o risco de subnotificação
quando os boletins do coronavírus eram tornados públicos às 17h (como era feito
durante a gestão do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta) e às 19h (gestão de
Nelson Teich).
Na
primeira vez em que houve atraso na divulgação, na quarta-feira (3), o Ministério
da Saúde havia informado que excepcionalmente os números seriam informados às
22h, devido a "problemas técnicos". Naquele dia, o país registrou
recorde de mortes.
No
dia seguinte, quando o Brasil outro recorde de mortes, a pasta novamente
divulgou o boletim após as 22h.
O
horário de divulgação, portanto, se dá após a conclusão dos principais jornais
diários e também após a transmissão dos principais telejornais da noite.
Ao
comentar a questão, na sexta-feira (5), o presidente não confirmou ter dado a
ordem para a mudança de horário e alegou que os números sairiam mais
consolidados às 22h. Por outro lado, comentou que "acabou matéria no
Jornal Nacional", em referência ao telejornal da Rede Globo.
"Não
interessa de quem partiu [a ordem para modificar o horário], é justo sair às
22h, é o dado completamente consolidado. Muito pelo contrário, não tem que
correr para atender a Globo", disse.
A
nota postada por Bolsonaro também afirma que está havendo adequação de rotinas
e fluxos para melhorar extrair os dados diários, o que necessitaria, afirma o
texto, aguardar relatórios vindos das secretarias de saúde dos estados e checar
os dados.
"Para
evitar subnotificação e inconsistências, o Ministério da Saúde optou pela
divulgação às 22h, o que permite passar por esse processo completo. A
divulgação entre 17h e 19h, ainda havia risco de subnotificação", afirma o
texto.
A
mudança no horário de divulgação não foi a única mudança registrada após as
sucessivas trocas de ministros da Saúde.
Após
a saída de Luiz Henrique Mandetta, por exemplo, as entrevistas coletivas para
explicar os números e apresentar as medidas de combate à pandemia deixaram de
serem diárias.
O
fluxo de entrevistas diminuiu ainda mais após a saída de Nelson Teich, que
permaneceu menos de um mês no cargo. Teich deixou a pasta por divergência com o
presidente a respeito do protocolo para a administração da cloroquina e
hidroxicloroquina para pacientes que não estejam em estágio grave da Covid.
Com
o atual ministro interino, o general Eduardo Pazuello, as entrevistas coletivas
passaram a contar apenas com técnicos da pasta de segundo escalão, como
secretários substitutos.
O
formato também mudou. Os presentes deixaram de responder questões sobre a
previsão de pico da pandemia de coronavírus no Brasil.
O
secretário substituto de vigilância em saúde, Eduardo Macário, também já havia
criticado as perguntas sobre o atual estágio da pandemia no Brasil e criticou a
imprensa por usar a expressão "recorde de mortes".
Por: Folhapress