Quarta-feira, 08 de junho de 2022
Cerca de
33,1 milhões de brasileiros vivem em situação de fome, 14 milhões a mais que em
2020. Quadro é equivalente ao da década de 1990.
Em números absolutos, são 14 milhões de pessoas a mais passando fome no país. (Foto: Reprodução)
A fome avança cada vez mais rápido pelo Brasil. Um levantamento divulgado
nesta quarta-feira (8) mostra que o país soma atualmente cerca de 33,1 milhões
de pessoas sem ter o que comer diariamente, quase o dobro do contingente em
situação de fome estimado em 2020.
Em números absolutos, são 14 milhões de pessoas a mais passando fome no
país.
Os dados são do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no
Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de
Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN).
O 1º inquérito, divulgado em abril do ano passado, estimava em 19
milhões o total de brasileiros que não tinham nada para comer em 2020, cerca de
9 milhões a mais que em 2018, quando essa população somava 10,3 milhões de
pessoas.
A crise provocada pela pandemia do coronavírus está diretamente
relacionada ao avanço, ainda maior, da fome nos últimos dois anos.
“A pandemia surge neste contexto de aumento da pobreza e da miséria, e
traz ainda mais desamparo e sofrimento. Os caminhos escolhidos para a política
econômica e a gestão inconsequente da pandemia só poderiam levar ao aumento
ainda mais escandaloso da desigualdade social e da fome no nosso país”, apontou
Ana Maria Segall, médica epidemiologista e pesquisadora da Rede PENSSAN.
‘Quadro perverso’: três décadas de retrocesso
“O país regrediu para um patamar equivalente ao da década de 1990”,
destacou a rede PENSSAN ao divulgar o resultado de seu segundo inquérito. O
levantamento anterior havia apontado que o cenário da fome no país remontava ao
que era observado em 2004.
“A continuidade do desmonte de políticas públicas, a piora no cenário
econômico, o acirramento das desigualdades sociais e o segundo ano da pandemia
da Covid-19 tornaram o quadro desta segunda pesquisa ainda mais perverso”,
enfatizou a entidade.
Protesto promovido em dezembro de 2021 pela Ação da Cidadania contra a fome no Brasil. — Foto: Reprodução/Redes Sociais
De acordo com a rede PENSSAN, a pesquisa foi realizada entre novembro de
2021 e abril de 2022, a partir de entrevistas feitas em 12.745 domicílios,
distribuídos em áreas urbanas e rurais de 577 municípios das 27 unidades da
federação – 26 estados mais o Distrito Federal.
A metodologia da pesquisa considerou a Escala Brasileira de Insegurança
Alimentar (Ebia), a mesma utilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) para mapear a fome no país.
A Ebia classifica a segurança alimentar como sendo o acesso pleno e
regular aos alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o
acesso a outras necessidades essenciais. Já a insegurança alimentar é
classificada em três níveis - leve, moderada e grave – da seguinte maneira:
Insegurança alimentar leve: há preocupação ou
incerteza quanto acesso aos alimentos no futuro, além de queda na
qualidade adequada dos alimentos resultante de estratégias que visam não
comprometer a quantidade de alimentação consumida.
Insegurança alimentar
moderada: há
redução quantitativa no consumo de alimentos entre os adultos e/ou ruptura
nos padrões de alimentação.
Insegurança alimentar grave: há redução quantitativa de
alimentos também entre as crianças, ou seja, ruptura nos padrões de
alimentação resultante da falta de alimentos entre todos os moradores do
domicílio. Nessa situação, a fome passa a ser uma experiência vivida no
lar.
Insegurança alimentar
A pesquisa mostrou que 125,2 milhões de brasileiros vivem com algum grau
de insegurança alimentar, número que corresponde a mais da metade (58,7%) da
população do país.
Na comparação com 2020, a insegurança alimentar aumentou em 7,2%. Já em
relação a 2018, o avanço chega a 60%.
De acordo com o coordenador da Rede PENSSAN, a perda da segurança
alimentar no Brasil está diretamente relacionada à atuação governamental.
“As medidas tomadas pelo governo para contenção da fome hoje são
isoladas e insuficientes, diante de um cenário de alta da inflação, sobretudo
dos alimentos, do desemprego e da queda de renda da população, com maior
intensidade nos segmentos mais vulnerabilizados”, apontou.
Maluf enfatizou que as políticas públicas de combate à extrema pobreza
desenvolvidas entre 2004 e 2013 restringiram a fome a apenas 4,2% dos
domicílios brasileiros.
Retrato da fome no Brasil
De acordo com a pesquisa, na média, cerca de 15% das famílias
brasileiras enfrentam a fome atualmente. Fatores regionais e sociais, no
entanto, agravam a situação.
As estatísticas apontam que a fome:
--é mais presente entre as
famílias que vivem no Norte (25,7%) e no Nordeste (21%);
--é maior nas áreas rurais,
onde atinge 18,6% dos domicílios;
--é realidade na casa de 21,8%
de agricultores e pequenos produtores;
--saltou de 10,4% em 2020 para
18,1% em 2022 entre os lares comandados por pretos e pardos;
--atinge 19,3% dos lares
sustentados por mulheres e 11,9% dos chefiados por homens;
--em relação a 2020, mais que
dobrou entre os domicílios com crianças menores de 10 anos de idade;
--é maior nos domicílios em
que a pessoa responsável está desempregada (36,1%);
--saltou de 14,9% para 22,3%
nos domicílios sustentados por pessoa com baixa escolaridade.
Por: g1, Rio de Janeiro