Quinta-feira, 19 de Novembro de 2015
Oftalmologista nepalês Sanduk Ruit
talvez seja o campeão mundial na guerra contra a cegueira
Ver esse médico trabalhar é como
observar milagres. Ele devolveu a visão a mais de 100 mil pessoas, talvez mais
do que qualquer médico na história, e os pacientes não param de chegar. Eles
vêm de vilarejos remotos, através de trilhas nas montanhas, cambaleando e
tateando, esperando passar pelo bisturi para voltar a ver seus familiares.
Um dia
depois da cirurgia para remover a catarata, ele retira as ataduras – e veja só!
Eles conseguem enxergar claramente. Primeiro com hesitação, depois com júbilo,
eles olham em volta. Poucas horas depois, voltam andando para casa, irradiando
uma felicidade indescritível.
O médico
oftalmologista nepalês Sanduk Ruit talvez seja o campeão mundial na guerra
contra a cegueira. Cerca de 39 milhões de pessoas em todo o mundo são cegas –
cerca de metade por causa da catarata – e outros 246 milhões têm a visão deficiente,
segundo a Organização Mundial de Saúde.
Se você
é uma pessoa cega num país pobre, então normalmente não tem esperança. Mas Ruit
é pioneiro numa técnica de microcirurgia de catarata simples que custa apenas
US$ 25 (R$ 94) por paciente e é quase sempre bem-sucedida. Na verdade, seu
“método Nepal” agora é ensinado nas faculdades de medicina dos EUA.
Todos os
anos ofereço uma viagem a um estudante, que vai comigo a algum país em
desenvolvimento para cobrir temas pouco conhecidos. Austin Meyer, aluno da
Universidade de Stanford, e eu viajamos para Hetauda, no sul do Nepal, para
assistir a Ruit fazer sua mágica em 102 homens e mulheres.
Uma das
pacientes era Thuli Maya Thing, uma mulher de 50 anos que diz que tem
dificuldades para cuidar dos filhos desde que perdeu a visão devido à catarata
nos últimos anos. Por causa da cegueira e da incapacidade de trabalhar, a
família às vezes passa fome.
Não posso ir buscar lenha nem
água”, Thuli Maya me disse. “Não posso fazer comida. Eu vivo caindo. Já me
queimei no fogo.”
Então
Thuli Maya estava esperando fora do hospital de olhos que Ruit montou aqui,
nervosa, mas também ansiosa pelo resultado. “Vou conseguir ver meus filhos e
meu marido de novo – é isso que eu mais quero”, disse ela.
Ela foi
levada à sala de operação, e um anestésico local foi injetado em seus olhos.
Depois de abrir o olho esquerdo com um espéculo de pálpebras, Ruit observou
através de um microscópio enquanto fazia uma pequena incisão no globo ocular e,
em seguida, puxou a catarata – e colocou-o na palma da minha mão. Era dura e
amarelada, talvez com oito milímetros de diâmetro, um pequeno disco opaco que
devastou a vida de Thuli Maya.
Ruit
inseriu uma lente minúscula no olho e concluiu a cirurgia. O processo levou
apenas cinco minutos. Em seguida, ele repetiu o procedimento no olho direito de
Thuli Maya, confiante de que ela voltaria a enxergar.
“Aqui os
resultados são muito claros”, disse Ruit enquanto fazia um curativo no olho da
paciente. “É diferente de qualquer outra intervenção médica.”
Nos
Estados Unidos, a cirurgia da catarata normalmente é realizada com máquinas
complexas. Mas elas são inacessíveis nos países pobres, de modo que Ruit
aperfeiçoou o trabalho de outros (entre eles do Aravind Eye Care System na
Índia, uma instituição excepcional que realizou 280 mil cirurgias de catarata
no ano passado) para inovar e refinar a microcirurgia de pequena incisão para
remoção de catarata sem sutura.
No
início, os céticos denunciaram e ridicularizaram suas inovações. Mas então o
“American Journal of Ophthalmology” publicou um estudo sobre um ensaio clínico
aleatório revelando que a técnica de Ruit tinha exatamente o mesmo resultado
(98% de sucesso num prazo de seis meses de acompanhamento) que as máquinas
ocidentais. A diferença era que o método de Ruit era muito mais barato e
rápido.
“Os
resultados são fantásticos”, disse o Dr. Geoffrey Tabin, oftalmologista do
Moran Eye Center da Universidade de Utah. Tabin aprendeu a técnica de Ruit e
também esteve em Hetauda, removendo cataratas ao lado de Ruit, e diz que os
resultados obtidos utilizando esta técnica na zona rural do Nepal são tão bons
quanto os de seus pacientes em Salt Lake City, que pagam por serviços de
primeira classe e desfrutam de quase US$ 1 milhão em equipamentos médicos de
última geração.
Tabin
disse que, quando não é possível utilizar as máquinas para a cirurgia de
catarata nos Estados Unidos (se, por exemplo, a catarata é grande demais), a
técnica de cirurgia manual padrão norte-americana é inferior à de Ruit.
Tabin,
um alpinista que se interessou pelo Nepal após subir o Monte Everest, lidera o
Projeto de Catarata do Himalaia, uma instituição de caridade norte-americana
que apoia o trabalho de Ruit e leva suas técnicas a outros países, como a
Etiópia e Gana. A batalha contra a cegueira mundial é agora um projeto conjunto
de Ruit e Tabin, e eles batizaram seu site de CureBlindness.org com otimismo.
“Ruit
foi o primeiro médico a colocar lentes em pessoas pobres no mundo em
desenvolvimento”, disse Tabin. “Ninguém mais devolveu a visão a tanta gente.”
Pelas
contas de Ruit, que outros acreditam ser factíveis, ele realizou 120 mil
cirurgias de catarata, a maioria em apenas um olho dos pacientes. Ruit
desenvolveu não só uma técnica cirúrgica, mas todo um sistema de medicina
oftalmológica. Ele fundou o Instituto de Oftalmologia Tilganga, que inclui
hospitais, clínicas comunitárias, programas de treinamento e um banco de olhos,
cobrando dos pacientes mais ricos para apoiar os mais pobres como Thuli Maya. O
Tilganga faz cirurgias de olhos em 30 mil pacientes anualmente -metade delas é
paga, a outra metade é gratuita.
O
Tilganga também fabrica 450 mil lentes por ano para uso em cirurgia de
catarata, mantendo os custos em US$ 3 (R$ 11) por lente em comparação com US$
200 (R$ 750) no Ocidente. A qualidade parece excelente, e elas são exportadas
para 50 países, inclusive na Europa. E para aqueles que perdem um olho, a
Tilganga faz próteses realistas que custam US$ 3, em comparação com US$ 150 (R$
565) por uma prótese ocular importada.
Este
sistema impressiona especialistas do mundo inteiro. O médico David F. Chang,
ex-presidente da Sociedade Americana de Catarata e Cirurgia Refrativa, descreve
Ruit como “um dos oftalmologistas mais importantes do mundo”.
Ruit, 61
anos, que cresceu numa região remota do nordeste do Nepal e estudou medicina na
Índia, está agora levando seu modelo para outros países de baixa renda. “Se
conseguimos fazer isso no Nepal, pode se fazer em qualquer lugar do mundo”,
disse ele.
Um
motivo para ter a visão como tema da viagem: a cegueira é ao mesmo tempo algo
extremamente debilitante e normalmente fácil de curar ou prevenir. Cápsulas de
vitamina A custam 7 centavos de real e podem impedir 250 mil casos de cegueira
infantil ou mais por ano (metade dessas crianças morrem um ano depois de
ficarem cegas). O tracoma, que leva à cegueira, pode ser evitado com mais
higiene e antibióticos doados. A oncocerose (ou cegueira dos rios) está
acabando, em parte por causa do trabalho heroico de Jimmy Carter e de remédios
doados pela Merck. E a catarata – bem, vamos voltar a Thuli Maya.
Um dia
depois da cirurgia, ela e os outros 101 pacientes estavam prontos para tirar
suas ataduras. Ruit tirou com cuidado os tapa-olhos de Thuli Maya, e ela piscou
algumas vezes – e enxergou o que estava em volta pela primeira vez em anos. Ela
sorriu enquanto sua visão era testada; o resultado foi 20/20.
“Antes
eu me arrastava por aí”, disse Thuli Maya em meio a sorrisos”, agora posso
levantar e andar.”
Os
leitores às vezes me falam sobre suas dúvidas em relação à ajuda humanitária, e
é verdade que ajudar as pessoas é sempre mais difícil do que parece. Mas às
vezes é quase milagroso: uma cirurgia de US$ 25 (R$ 94), US$ 50 (R$ 188) para
ambos os olhos, para devolver a visão a uma pessoa. “Isto tem um impacto tão
grande, por tão pouco dinheiro”, disse Ruit enquanto observava seus pacientes
se acostumando a voltar a enxergar. Enquanto isso, Thuli Maya dançava.
Texto: Nicholas Kristof, do The New York Times