Quarta-feira, 12 de maio de 2016.
O Senado aceitou, no início da
manhã desta quinta-feira (12), o pedido de abertura do processo de impeachment
da presidente Dilma Rousseff (PT). Ela deixa a Presidência um ano e quatro
meses depois de assumir seu segundo mandato. O vice-presidente Michel
Temer (PMDB) assume interinamente assim que Dilma for comunicada
oficialmente sobre o afastamento. Ela terá de assinar um documento e, a partir
daí, será obrigada a deixar o Planalto. A sessão durou 20 horas e meia.
Dilma pode
ficar afastada por até 180 dias, mas o processo no Senado pode ser mais rápido.
Se for considerada culpada, sai do cargo definitivamente e perde os direitos
políticos por oito anos (não pode se candidatar a nenhum cargo). Temer será o
presidente até o fim de 2018. Se for inocentada, volta à Presidência.
Para que o
processo que resulta no afastamento da presidente fosse instaurado, eram
necessários ao menos 41 votos (maioria simples) favoráveis.
Os
senadores discursaram por quase 20 horas. A primeira a falar, Ana Amélia
(PP-RS), começou às 11h20 da quarta-feira. O último, Raimundo Lira (PMDB-PB),
terminou às 5h45 da quinta-feira. Depois de encerrado o debate, o relator da
comissão do impeachment no Senado, Antonio Anastasia (PSDB-MG) falou por 15
minutos, seguido pelo ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), José Eduardo
Cardozo, que falou pela defesa de Dilma.
Esta é a
segunda vez em 24 anos que um presidente da República é afastado
temporariamente para julgamento após uma decisão do Senado. Em outubro de 1992,
o Senado abriu o julgamento do então presidente Fernando Collor de Mello, na
época filiado ao PRN.
Collor
renunciou antes de ser julgado. Mesmo assim, teve seus direitos políticos
cassados pelo Senado por oito anos. Em 2014, o STF (Supremo Tribunal
Federal) o absolveu por falta de provas.
Sem cartazes, votação no
Senado foi tranquila
O clima no
Senado foi de mais tranquilidade em relação ao dia em que a Câmara votou a
admissibilidade do impeachment. Durante as longas
horas de sessão, o aspecto era de um dia normal do Senado,
sem faixas no plenário, ao contrário da Câmara, onde havia cartazes com os
dizeres "tchau, querida" e deputados usando cachecóis com inscrições
contra ou a favor do impeachment.
Enquanto
os oradores subiam à tribuna para falar, o plenário, distraído, mantinha
conversas amistosas entre os senadores. O barulho do bate-papo levou o
presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), a pedir
silêncio mais
de uma vez.
Apesar da
segurança reforçada e da repetição do muro no gramado do Congresso Nacional
para conter protestos, o número de manifestantes foi bem menor que no dia 17 de
abril, quando a Câmara aprovou o impeachment. Do lado de fora, a
Polícia Militar do Distrito Federal jogou bombas de gás em manifestantes
contrários ao impeachment. Foram pelo menos dois confrontos
em momentos distintos e dezenas de pessoas passaram mal. Dois manifestantes tiveram
de ser atendidos em ambulâncias no local.
A SSP-DF
(Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal) estimou em 4.000 o
número de manifestantes contrários ao impeachment e em 1.000 o de favoráveis ao
afastamento de Dilma. Os grupos começaram a se dispersar por volta das
22h40.
Dentro do
Senado, a circulação nos corredores foi restrita e assessores e jornalistas
precisaram de credenciamento especial para assistir à sessão.
Mas a
tensão entre governo e oposição que marcou os debates na Câmara não se repetiu.
Não houve vaias ou gritos de guerra no plenário, que em alguns momentos chegou
a ficar esvaziado enquanto senadores discursavam.
Enquanto
na Câmara os deputados tiveram 30 segundos para anunciar seu voto, no Senado
foram 15 minutos de discurso. Ainda assim, foram ínfimas as citações a Deus,
aos familiares e à respectiva terra natal dos senadores, diferentemente do
ocorrido entre os deputados.
Enquanto
senadores da oposição reforçaram o discurso de que Dilma de fato cometeu crimes
de responsabilidade que aprofundaram a crise econômica, parlamentares
contrários ao impeachment voltaram à acusação de que a deposição da presidente
seria um "golpe de Estado" pois os fatos narrados pela acusação não
configuram crimes puníveis com o impeachment.
Primeira a
discursar na sessão, Ana Amélia (PP-RS) também foi a primeira a anunciar voto
favorável ao impeachment. "São graves, portanto, os fatos imputados contra
a Senhora Presidente da República", disse. "O que isso provoca? A
sociedade já poderia responder: 11 milhões de desempregados, a taxa básica de
juros está em quase 15%, a inflação está em 9,28%", afirmou a senadora.
Presidente
do PSDB, principal partido de oposição, o senador Aécio Neves (MG), derrotado
por Dilma nas eleições de 2014, disse que o vice-presidente Michel Temer
"não tem que se preocupar com a popularidade", ao tomar medidas que
possam não agradar a população.
Em
discurso durante a sessão do Senado, Aécio defendeu que Temer faça um ajuste
fiscal e "enfrente questões" como a previdenciária, a "modernização
da legislação trabalhista" e uma reforma política que limite o número de
partidos. Ao encerrar, o tucano afirmou que o Senado inicia nesta quinta-feira
um "futuro melhor para o país".
O primeiro
senador a defender o mandato de Dilma, Telmário Mota (PDT-RR) defendeu que os
movimentos contrários ao impeachment continuem a realizar manifestações, mesmo
após o afastamento da presidente. "Vamos voltar às ruas. Não vamos deixar
o povo brasileiro ser enganado". Mota falou ainda em "golpe
branco" contra a presidente, "por não usar armas de fogo, mas a
caneta, os conchavos, os oportunismos, as traições", disse.
Próximos passos
O senador
Romero Jucá (PMDB-RR), um dos principais aliados e provável ministro no governo
Temer, afirmou que Dilma deve ser notificada da decisão do Senado às 10h desta
quinta-feira (12), e Temer, às 11h. Após ambos serem notificados, Temer assume
interinamente a Presidência da República.
Segundo
Jucá, os novos ministros do governo Temer devem assumir os cargos já na tarde
desta quinta-feira. "Não há vazio de poder", afirmou o senador, que é
cotado para assumir o ministério do Planejamento.
Com o
processo de impeachment aberto, terá início a discussão e análise da denúncia
contra Dilma. Haverá apresentações da acusação e da defesa. Nesta fase, a ação
tramita sob o comando do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Ricardo
Lewandowski.
O processo
culminará com o julgamento final dos senadores, em votação nominal e aberta no
plenário. Dilma será afastada definitivamente da Presidência se dois terços do
Senado (54 dos 81 senadores) decidirem que ela cometeu crime. Nesse caso, o
vice-presidente, Michel Temer (PMDB), governará até o fim deste mandato.
Ministros devem pedir
demissão; Dilma promete resistir
Em ato
programado para reformar a acusação de que o impeachment é um
"golpe", os ministros do governo Dilma Rousseff anunciaram um pedido
de demissão conjunto, logo após a aprovação da decisão do
Senado.
À exceção
dos ministros Alexandre Tombini (presidente do Banco Central) e Ricardo Leyser
(interino dos Esportes), todo o primeiro escalão do governo Dilma deve entregar
os cargos. Tombini e Leyser serão mantidos para evitar sobressaltos na economia
e na organização da Olimpíada do Rio.
Mesmo
afastada, Dilma pretende se defender no Senado para retomar a Presidência. Sua defesa deve ser feita por José Eduardo Cardozo,
atual advogado-geral da União, mas que deve perder o cargo com a posse de
Temer.
Cardozo,
aliás, foi o responsável pelo recurso encaminhado à Câmara que gerou a anulação
das sessões que definiram o avanço do impeachment na Casa. Essa anulação foi decidida pelo presidente interino da
Câmara, deputado Waldir Maranhão (PP-MA). A decisão, porém,
foi considerada intempestiva (fora de hora) pelo presidente do Senado,
Renan Calheiros (PMDB-AL), que deu continuidade à tramitação do impeachment.
Da votação
da Câmara à votação no Senado, Temer, por sua vez, intensificou discussões para
montagem de seu governo. Seu partido, o PMDB, já havia decidido deixar o governo de Dilma dias
antes da votação dos deputados. Integrantes da legenda,
então, passaram a negociar postos já antevendo um governo interino.
Outros
partidos, como o PP e o PSD, também já desembarcaram do governo Dilma e
negociam participação no governo Temer. O PSDB, partido de oposição, deve
aderir ao governo interino e assumir ao menos um ministério.
Acusação e defesa
Dilma é
acusada de cometer crime de responsabilidade, previsto na Lei do Impeachment
(lei 1.079/1950), ao autorizar supostas manobras contábeis chamadas de
pedaladas fiscais. Elas se caracterizam pela prática do Tesouro Nacional de
atrasar intencionalmente o repasse de dinheiro para bancos (públicos e
privados) e autarquias (por exemplo, o INSS) a fim de melhorar artificialmente
as contas federais.
Segundo os
autores originais do pedido de impeachment da presidente, os juristas Hélio
Bicudo, Miguel Reale Jr. e a advogada Janaina Paschoal, as "pedaladas
fiscais" teriam sido praticadas em 2014 e reeditadas em 2015, já no
segundo mandato de Dilma.
Os
juristas também apontam crime de responsabilidade da presidente na edição de
seis decretos autorizando despesas extras num total de cerca de R$ 2,5 bilhões,
em 27 de julho e 20 de agosto de 2015, sem a autorização do Congresso.
A defesa
da presidente nega a existência de crime e, por isso, diz que o impeachment é
um golpe. Segundo a defesa, o atraso no repasse de dinheiro a bancos, por
exemplo, é prática comum em esferas do Poder Executivo e não é grave a ponto de
interromper o mandato de um presidente eleito democraticamente.
O governo
argumenta também que as contas relativas a 2015 ainda não foram nem sequer
avaliadas pelos órgãos de controle e, portanto, não pode haver crime
antecipado.
Trâmites do processo
O pedido
de impeachment que tramita no Congresso é baseado na denúncia de que
"houve uma maquiagem deliberadamente orientada a passar para a nação (e também
aos investidores internacionais) a sensação de que o Brasil estaria
economicamente saudável", como escrevem seus autores.
O
processo foi acolhido no dia 2 de dezembro do ano passado pelo então
presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O ato foi recebido
pelo governo como ato de revanche de Cunha, em reação à abertura de processo de
cassação de seu mandato no Conselho de Ética da Câmara.
No último
dia 5, o mandato de Cunha acabou suspenso por decisão do STFantes
de uma decisão do conselho.
O rito do
impeachment (norma que a tramitação deve obrigatoriamente seguir no Congresso)
foi motivo de embate entre Legislativo e Judiciário, com a decisão sendo
regulamentada pelo STF.
A denúncia
que chegou nesta quarta ao plenário do Senado já obedece às etapas determinadas
pelo STF. Ela foi aprovada em comissão especial da Câmara
por 38 votos a favor e 27 contra, pelo plenário da Casa por 367 a 137, e na comissão especial do Senado por 15 a cinco.
UOL