Domingo, 09 de outubro de 2016
Em depoimento ao Tribunal Superior Eleitoral,
o empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da Construtora UTC e delator da Lava Jato,
confirmou ter feito doações às campanhas presidenciais de Dilma Rousseff e de
Aécio Neves. Repassou R$ 7,5 milhões para a candidata petista e R$ 4,5 milhões
para o rival tucano. Inquirido sobre a origem dos recursos, declarou que o
dinheiro saiu do mesmo caixa das empresas do Grupo UTC, que era unificado.
Ricardo Pessoa prestou depoimento no processo em que o PSDB pede à Justiça
Eleitoral que casse os mandatos de Dilma, já deposta, e do vice Michel Temer,
agora efetivado na função de presidente. Ele foi ouvido em audiência realizada
em 19 de setrembro. Mas só nesta semana o TSE divulgou no seu site o papelório
que compõe os primeiros 13 volumes dos processos.
O blog manuseou o depoimento de Ricardo Pessoa. A certa altura, o advogado
de Dilma, Flávio Caetano, travou com o empreiteiro o seguinte diálogo:
— […] Tanto a doação à campanha eleitoral de Dilma e Temer e a doação para
a campanha de Aécio e Aloysio [Nunes Ferreira] tiveram origem na mesma conta
corrente, da UTC. É isso?
— Sim
— Da mesma conta corrente?
— Não sei se da mesma conta corrente, mas do caixa, do capital de giro, do
caixa da UTC Engenharia, Constran e UTC Participações, que era unificado.
— Ou seja, não tem relação nenhuma com eventuais comissões ou propinas de
contratos com a Petrobras.
— Não. Absolutamente.
— A origem de doação a Aécio e Dilma é a mesma?
— Sim senhor.
Deve-se o depoimento do delator da UTC a um requerimento do PSDB, autor da
ação. Imaginou-se que o empreiteiro levaria água para o moinho da cassação da
chapa Dilma-Temer, já que, em depoimentos à força-tarefa da Lava Jato, ele
confirmara ter participado de reuniões com o petista Edinho Silva, ex-ministro
de Dilma e tesoureiro da campanha dela à reeleição.
Interrogado pelo ministro Herman Benjamin, corregedor do TSE, e pelo juiz
auxiliar Bruno Cesar Lorencini, o dono da UTC confirmou ter participado de três
reuniões com Edinho Silva. Reafirmou ter sido encaminhado ao gestor das arcas
da campanha de Dilma pelo ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto. Mas fez uma
distinção entre os contatos que mantinha com Vaccari e as conversas com Edinho.
Nessa versão, repassou ao primeiro algo como R$ 24 milhões em propinas. Ao
segundo, entregou os R$ 7,5 milhões doados de maneira supostamente lícita.
“A minha relação com o João Vaccari era muito grande”, declarou Ricardo
Pessoa. Encontravam-se amiúde, para tratar dos negócios escusos e dos desvios
praticados na Petrobras. Em meados de 2014, o empreiteiro disse ter sido
abordado pelo então tesoureiro do PT com uma conversa diferente:
— O senhor não vai contribuir para a campanha presidencial?
— Ué, como é que faz para contribuir?
— O senhor tem que procurar Edinho, porque isso aqui não é comigo, é com o
Edinho Silva.
O juiz Bruno Lorencini perguntou a Pessoa como foi sua conversa com
Edinho. E o empreiteiro: “Eu fui lá para discutir com ele contribuição para a
campanha presidencial. E tivemos três encontros. O primeiro encontro, ele
estava imaginando uma contribuição de R$ 20 milhões. Eu disse a ele que eu fui
preparado para dar R$ 5 milhões. Acertei os R$ 5 milhões. Voltei depois, porque
ele achou muito pouco.”
De acordo com o relato do empreiteiro, o caixa da campanha de Dilma lhe
disse que tinha muitas despesas. E insistiu para que doasse mais. “Eu disse a
ele que não estava preparado para isso, mas que eu ia pensar, ia ver como
fazer. E marquei uma outra reunião com ele, onde acertei o pagamento de duas
parcelas de R$ 2,5 milhões, para a campanha presidencial.”
Pessoa prosseguiu: “Voltei lá, porque ele me disse que precisava de muito
mais dinheiro do que isso, e eu não tinha. Acertei mais duas parcelas [de R$
2,5 milhões]… ,porque R$ 20 milhões para nós era impossível de aceitar. E assim
foi feito, só que R$ 2,5 milhões foram pagos, os outros R$ 2,5 milhões não
foram pagos.” Por quê? “Eu fui preso”, explicou o dono da UTC.
O juiz perguntou a Pessoa se as contribuições à reeleição de Dilma estavam
amarradas a algum benefício futuro. O depoente respondeu negativamente. “Não
tinha nesse diálogo nenhuma vinculação a contrato específico”. Mas reconheceu
que Edinho Silva levou à mesa, de forma nem tão sutil, a Petrobras: “Você tem
muito contrato. Você vai continuar.”
Instado a comentar os hábitos eleitorais de sua construtora, o delator
Ricardo Pessoa disse: “Nós sempre contribuímos com todos os partidos —a grande
maioria. Você pode pegar a UTC, a UTC Paritcipações e todas as empresas do
grupo, contribuíram com R$ 54 milhões na campanha de 2014, certo? Está
inclusive, atestado no TSE. Para diversos partidos. Para a grande maioria dos
partiudos, nós contribuímos.”
Perguntou-se ao delator se essas doações também incluíram propinas, como
no caso dos R$ 24 milhões em verbas sujas que ele admitiu ter repassado a
Vacari, o tesoureiro petista. E ele: “Não, não.” Ricardo Pessoa sustentou que
não pagou propinas no ano eleitoral de 2014. “O último montante pago como
comissão, como propina, foi em que época, que ano?”, quis saber o juiz Bruno
Lorencini. “Em 2012, eu acho”, Pessoa respondeu. “Eu não sei lhe precisar se em
2013 nós pagamos alguma coisa. Acredito que sim. Pouca coisa, mas sim.”
“Depois disso, só doações registradas?”, insistiu o juiz. E o depoente:
“É, mesmo porque eu não tinha mais produção de caixa dois”. Ele recordou que o
operador do caixa dois da UTC, o doleiro Alberto Youssef, foi retirado de
circulação por ordem de Sérgio Moro, o juiz da Lava Jato. Permanece até hoje
como hóspede do sistema carcerário paranaense.
O corregedor do TSE, ministro Herman Benjamin, perguntou a Ricardo Pessoa
qual é a diferença, “do ponto de vista qualitativo”, entre as doações feitas pela
UTC a Dilma e Aécio. O delator classificou as doações como espontâneas. E
acrescentou: “Posso dizer que a diferença qualitativa foi a forma de… de
cobrança e de solicitação de cada um. O Edinho me cobrou muito mais do que o…
esqueci o nome agora, do… [tesoureiro do PSDB].”
Hermann Benjamin indagou se houve vinculação entre o socorro financeiro e
a promessa de contratos futuros. “Contrato específico, não senhor”, respondeu o
empreiteiro. O ministro questionou se o montante doado foi abatido da conta das
propinas. “Não, absolutamente”, disse Ricardo Pessoa.
Em resposta a questionamentos de Gustavo Guedes, advogado de Michel Temer,
o dono da UTC deixou bem claro que torceu pela vitória de Dilma na sucessão de
2014. Receava que o triunfo de Aécio não fosse bom para os negócios.
“O PSDB poderia outro tipo de atitude”, explicou o depoente. O partido de
Aécio “paralisaria de seis meses a um ano a máquina pública. E, por isso,
poderia ter uma derrocada em relação aos investimentos.
Ricardo Pessoa foi ao ponto: “Imagine o senhor trocar toda a diretoria da
Petrobras, trocar toda a área técnica, digamos assim, indicação política.
Pararia tudo, concorda? E o momento não permitia.”
A despeito de suas preferências, o empreiteiro achou que deveria doar
recursos também para Aécio, ainda que em menor proporção. Ecoando um raciocínio
comum entre os oligargas que encostam seus negócios nos balcões do Estado,
Pessoa insinuou que, numa eleição, o melhor a fazer é diversificar os
investimentos.
Eis o que disse o delator: “Para quem tem interesse em permanecer no
mercado, prestando serviço em compras governamentais, você atende a todos os
pedidos que tem com relação a contribuições políticas. Nisso aí eu tenho que
ser bastante honesto e sincero com o senhor aqui. Repito: pago a contribuição para manter o relacionamento”
Flávio Caetano, o advogado de Dilma, perguntou a Pessoa se ele esteve
pessoalmente com Aécio. “Estive”, respondeu o empreiteiro. “Ele lhe pediu
alguma contribuição?”, emendou o doutor. E o depoente: “Não, já tinha sido
acertado antes, ele só foi agradecer.” Caetano quis saber: “Ele agradeceu a
contribuição?” Pessoa soou seco: “Claro.”
UOL