Quarta-feira, 29 de novembro de 2017
Moscas são bem mais nojentas do que se imaginava. E
exemplares coletados aqui no Brasil indicaram que podem transmitir até um
micro-organismo que causa gastrite.
As moscas e o mal pra saúde (Foto: Ana Junqueira e Stephan
Schuster/Reprodução)
Basta uma única mosquinha
sobrevoando a mesa para ligar o sinal de alerta: quem está por perto corre para
espantar o inseto, na tentativa de evitar seu contato com a comida a todo
custo. Quando já é tarde demais, o jeito é reparar o estrago. Os mais
precavidos tratam de descartar o pedaço em que o bicho pousou e isolar a área,
para garantir que o visitante indesejado não volte a dar as caras durante a
refeição.
Embora possa parecer para alguns, não se trata apenas de excesso
de cuidado. Alimentos de fato podem ficar contaminados graças à breve visita de
uma mosca, tudo por conta dos hábitos pouco higiênicos desses insetos. Durante
seus voos, eles acabam se alimentando de tudo que é tipo de detrito. Restos
como fezes, animais mortos e matéria orgânica em decomposição estão recheados
de micróbios, que ficam grudados em suas asas e patas e podem se desprender na
próxima aterrissagem.
Um estudo
recente, publicado no jornal Scientific Reports, cravou que uma mosca
doméstica, por exemplo, pode carregar até 351 bactérias diferentes. No caso da
varejeira, também conhecida como mosca verde, são 316 tipos de microrganismos —
alguns deles, inclusive, nocivos à saúde humana.
“Em geral,
estas bactérias são oportunistas e potencialmente patogênicas, causando doenças
do trato gastrointestinal, do trato urinário, úlceras estomacais, infecções
cutâneas e respiratórias”, explicou Ana Carolina Martins Junqueira, professora
de genética e genômica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em
entrevista a SUPER. Coordenando uma equipe internacional de cientistas, ela
analisou 116 exemplares dessas moscas, coletados em áreas urbanas do Brasil,
EUA e Cingapura.
Para
capturar as moscas, os pesquisadores utilizaram um método inovador, testado
pela primeira vez em insetos. Cada mosquinha era atraída pelo cheiro de restos
de peixe em decomposição, até ficar presa em um recipiente com gelo seco. O
vapor do gelo seco era capaz de sedá-las, fazendo-as cair “desmaiadas” — e, o
melhor de tudo, sem estar contaminadas por agentes externos.
Com as
mosquinhas fora de combate, o grupo tinha o caminho livre para analisá-las
geneticamente. Isolando o DNA presente em partes como as asas, pés e patas dos
insetos, conseguiu-se identificar os corpos estranhos que estavam presentes
ali. O resultado você já conhece: as amostras das duas moscas indicaram a
presença de mais de centenas de microrganismos diferentes.
Exemplares
de moscas coletados aqui no Brasil, por exemplo, indicaram a presença de
Helicobacter pylori, bactéria que causa úlceras e gastrite em humanos. “É a
primeira vez que se propõe que moscas varejeiras podem ter um papel na
dispersão de H. pylori. Isso significa que esta pode ser uma via de dispersão
da bactéria que jamais foi considerada”, pontua Junqueira. Entre as formas de
contágio mais comuns estão o contato com alimentos, água, salivas e fezes
contaminadas.
A
sobrevivência dessas bactérias no corpo dos insetos depende de sua capacidade
de formar esporos — estruturas que garantem sua proteção até que encontrem um
lugar propício para crescerem —, o que varia de espécie para espécie. “No caso
da H. pylori, já foi demonstrado que as células podem sobreviver por 12 horas
expostas ao ar”. Considerando que o tempo de vida de uma mosquinha costuma ser
de 28 dias, a chance de que um inseto que teve contato com algo contaminado
pouse em seu sanduíche é maior que se imagina.
Segundo o
estudo, moscas urbanas costumam carregar mais bactérias do que as que as
encontradas em zonas rurais. Isso sugere que o potencial nocivo desses insetos
aumenta onde há maior concentração de pessoas. Para a pesquisadora, o potencial
desses insetos como transmissores de doenças tem sido subestimado. As pragas
urbanas mais visadas por ações de saúde pública acabam sendo os mosquitos, que,
por sua vez, costumam carregar um número de microrganismos bem menor. “As moscas
servem como meios de transporte de bactérias e, neste processo, são mais
genéricas em relação à quantidade e diversidade de microrganismos que
carregam”.
Superinteressante