Sexta-feira, 21 de setembro de 2018
Foto: Antonio Cruz/ABr/Agência Brasil
Base da alimentação do brasileiro, o arroz e o feijão
representam 38% do montante de alimentos jogado fora no país. O dado faz parte
da pesquisa sobre hábitos de consumo e desperdício de alimentos, do projeto
Diálogos Setoriais União Europeia – Brasil, liderado pela Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (Embrapa) com apoio da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
A pesquisa ouviu 1.764 famílias de diferentes classes sociais e
de todas as regiões brasileiras. O ranking dos alimentos mais desperdiçados
mostra arroz (22%), carne bovina (20%), feijão (16%) e frango (15%) com os
maiores percentuais relativos ao total desperdiçado. “A grande surpresa foram
as carnes aparecerem com um índice tão alto de desperdício, um produto de alto
valor agregado, de alto valor nutricional e que é desperdiçado. E destaco ainda
o leite, que é o quinto grande grupo mais jogado fora”, disse o professor
de marketing da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da FGV,
Carlos Eduardo Lourenço.
Os dados
detalhados da pesquisa foram apresentados hoje (20) no Seminário
Internacional Perdas e Desperdício de Alimentos em Cadeias Agroalimentares:
Oportunidades para Políticas Públicas, na sede da Embrapa, em
Brasília (DF).
No Brasil, a
média de alimentos desperdiçados por domicílio é de 353 gramas por dia.
Individualmente a média é de 114 gramas por dia.
Entre os
motivos do desperdício apontados pelos pesquisadores está a busca pelo sabor e
a preferência pela fartura dos consumidores brasileiros. O não aproveitamento
das sobras das refeições é o principal fator para o descarte de arroz e feijão.
“Essa busca pelo sabor e pelo frescor do alimento acaba tendo outro impacto que
é o descarte de um excesso ou quando acontece algum evento que muda o
planejamento da família”, disse Lourenço, explicando, entretanto que a
culinária diversa e saborosa do brasileiro deve ser valorizada.
Como exemplo
desses eventos, o professor da FGV cita o caso pesquisado de uma pessoa que,
após um churrasco, acabou descartando quatro quilos de carne ou ainda o caso de
quem salgou demais o feijão durante o cozimento e acabou jogando a panela toda
fora, em vez de tentar recuperar o alimento.
Cultura da abundância
Os resultados
mostraram que 61% das famílias priorizam uma grande compra mensal de alimentos,
além de duas a quatro compras menores ao longo do mês. De acordo com os
pesquisadores, esse hábito leva ao desperdício pois aumenta a propensão de
comprar itens desnecessários, especialmente quando a compra farta é combinada
com o baixo planejamento das refeições.
Algumas
contradições também aparecem entre o público pesquisado. Enquanto 94% afirmam
ser importante evitar o desperdício de comida, 59% não dão importância se
houver comida demais na mesa ou na despensa. A maioria das famílias (68%)
valoriza muito ter uma despensa e geladeira cheias de alimento. “O
brasileiro gosta de abundância, é muito comum na nossa cultura”, disse
Lourenço.
Outra
descoberta relevante da pesquisa é que 43% das pessoas concordam que “os
conhecidos jogam comida fora regularmente”, mas quando abordado o comportamento
da própria família o problema não aparece tanto. Segundo Lourenço, apesar do
grande desperdício, o brasileiro tem a percepção do impacto social desse
comportamento e parece ter um esforço de não desperdiçar. “Essa
consciência aparece na pesquisa”, disse.
Vilão do desperdício
De acordo com
o professor da FGV, o motivador do desperdício é transversal e acontece em
todas as classes sociais. “Não há um vilão”, ressaltou Lourenço. “Talvez fosse
mais fácil se tivesse, mas é um problema geral da nossa sociedade”. Segundo
ele, apenas em hortaliças o desperdício acontece mais nas classes A e B do que
nas classes C e D.
Para o
ministro do Meio Ambiente, Edson Duarte, é preciso atuar em todos os elos da
cadeia: evitar que o produto fique no campo, com tecnologias e capacitações
tecnológicas que aumentem a produtividade e preservem o meio ambiente; garantir
que o alimento chegue à mesa do consumidor, com a comercialização in natura ou
para agroindústrias; e educar as pessoas para ao consumo, para evitar o
desperdício.
“Um terço
de toda a produção agrícola está sendo desperdiçada, seja no pós-colheita, seja
em toda a cadeia de alimentos. Se combatêssemos isso com efetividade,
estaríamos combatendo a fome e diminuindo a pressão sobre nossas florestas e
nossos recursos naturais”, disse.
Design dos alimentos
A pesquisa
iniciou com uma fase qualitativa, na qual 62 consumidores foram entrevistados
em supermercados, lojas de conveniência e feiras livres. A coleta de dados
envolveu um grupo de pós-graduandos europeus das universidades de Bocconi
(Itália), St Gallen (Suíça), Viena (Suíça) e Groningen (Holanda). O objetivo
foi avaliar hábitos de compra e consumo de alimentos dos brasileiros, a partir
do olhar dos europeus.
“Os
estudantes europeus ficaram impressionados com a quantidade dos alimentos
adquiridos pelos brasileiros, principalmente nas compras semanais”, disse
Lourenço, contando que os estudantes se perguntavam por que nas lojas de
conveniência, onde as compras são menores, os carrinhos utilizados eram
enormes.
Na segunda fase
da pesquisa, foi utilizado um painel com mais de 600 mil consumidores
brasileiros. Depois de uma triagem, foram selecionadas três mil pessoas de todo
o país e, dessas, 1.764 participaram efetivamente da primeira fase quantitativa
da pesquisa. Entre elas, 638 famílias participaram também do preenchimento de
um diário alimentar, que incluiu dados sobre quantidades desperdiçadas e fotos
dos alimentos descartados.
Nessa etapa,
foi observado que o brasileiro está mais preocupado com sabor e aparência dos
alimentos, do que em consumir alimentos saudáveis ou pouco calóricos. Para
o presidente da Embrapa, Maurício Lopes, na hora da compra, o
brasileiro exalta mais o design dos alimentos do que seu valor nutricional.
“Temos uma cultura de expor em excesso, de exaltar o visual. Quando
entramos no supermercado é ótimo ter gôndolas cheias de alimentos
bonitos e polidos, consumimos primeiro com os olhos para depois pensar na
consequência desse consumo”, disse.
Segundo
Lopes, esse problema de consumo tomou grandes dimensões no sistema
agroalimentar e faz com que a perda e o desperdício sejam quase que necessário.
“Do ponto de vista da produção, muitas vezes faz mais sentido deixar os
alimentos se perderem do que viabilizar outra rota de uso para esses produtos”,
disse, explicando que, quando se fala em desperdício, não é só de alimento, mas
de água, energia e mão de obra, além da emissão de gases de efeito estufa em
toda essa cadeia. “Os números dessa pesquisa são nada menos que alarmantes”,
ressaltou.
Engajamento
Por fim, na
terceira fase da pesquisa, foi realizado um levantamento de dados em blogs e
redes sociais como Facebook e Twitter, com o objetivo de avaliar como o tema
desperdício de alimentos foi propagado na internet nos últimos meses. Os
resultados indicaram que 75% desse assunto é tratado por instituições públicas
e privadas e há pouco envolvimento das pessoas nesse tema.
Para
Lourenço, é preciso pensar em estratégias de comunicação para sensibilizar e
engajar o público nessa causa. “Há um esforço institucional que não reverbera
nas pessoas, elas não reportam, não fazem a viralização, então a informação não
se propaga”, destaca o professor da FGV. “Nos surpreendeu como ainda não
conseguimos engajar o brasileiro num assunto que é tão relevante”.
As ações de
cooperação para o combate ao desperdício alimentar, financiada pela União
Europeia, são desenvolvidas com outros parceiros, como o Ministério do
Desenvolvimento Social (MDS) e a organização não-governamental WWF-Brasil.
Segundo o
embaixador da União Europeia no Brasil, João Gomes Cravinho, o tema não tem
audiência nos debates públicos como deveria ter, mas quando a perspectiva
é de 10 bilhões de pessoas no planeta em 2050, é preciso pensar em formas de
alimentar essas pessoas com alimentos seguros e nutritivos.
“É
fundamental que saibamos escolher políticas públicas que não nos obrigue a
escolher entre alimentar o planeta ou salvar o planeta. A produção deve se
tornar cada vez mais sustentável e menos um peso para os nossos recursos
naturais”, disse.
Fonte: Agência
Brasil