Quinta-feira, 05 de setembro de 2019
De janeiro a agosto, choveu 11% a mais e teve 34% mais focos de
queimadas do que a média desde 2016. Bolsonaro havia dito que “nos anos mais
chuvosos, as queimadas são menos intensas”. Especialistas afirmam que fogo na
Amazônia é causado principalmente pela ação humana.
Queimadas na Amazônia - fogo consome vegetação perto de Porto Velho na tarde de 23 de agosto de 2019 — Foto: AP Foto / Victor R. Caivano
A Amazônia teve mais chuvas, mais queimadas e mais alertas de
desmatamento entre janeiro e agosto em 2019 do que o registrado no bioma nos
mesmos períodos desde 2016.
Os dados são do
Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet)
e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)
e foram compilados pelo G1. O
período de análise não pôde ser anterior a 2016 porque o sistema de monitoramento
de desmate mudou e não permite comparações mais antigas.
Os números vão
contra declarações dadas pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro do Meio
Ambiente, Ricardo Salles. Após a alta das queimadas afetar a rotina de São Paulo e virar pauta do G7, Bolsonaro chegou a relacionar as
queimadas na Amazônia à estação durante um pronunciamento em rede nacional no dia 23 de
agosto.
"Estamos numa estação tradicionalmente quente, seca e de
ventos fortes em que todos os anos, infelizmente, ocorrem queimadas na região
amazônica. Nos anos mais chuvosos, as queimadas são menos intensas. Em anos
mais quentes, como neste, 2019, elas ocorrem com maior frequência" ,
afirmou Jair Bolsonaro, presidente da República.
Nos dias 20 e 21 de agosto, Salles também atribuiu as queimadas
ao clima.
"Tempo seco, vento e calor fizeram
com que os incêndios aumentassem muito em todo o País. Os brigadistas do ICMBIO
e IBAMA, equipamentos e aeronaves estão integralmente à disposição dos Estados
e já em uso", escreveu Salles, no dia 20.
"Com
o Gov @MauroMendes40, em vistoria sobre as queimadas no MT, com equipes de
apoio e recursos. O tempo seco e quente contribui, mas casos como esse, de
terrenos baldios urbanos em Cuiabá onde se coloca fogo no lixo atrapalham muito
as cidades", afirmou Salles, no dia 21.
Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, escreve no Twitter sobre as queimadas. — Foto: Reprodução/Instagram/@rsallesmma
Especialistas
ouvidos pelo G1 (leia mais abaixo) apontam que
os índices pluviométricos não permitem apontar qualquer relação entre tempo
seco e focos de fogo no bioma, além de afirmarem que a dinâmica das queimadas
na Amazônia tem relação direta com a ação humana e o desmatamento.
"Quando é mais seco, a gente pode esperar um aumento
grande de queimadas. Mas não dá para dizer que isso está acontecendo este ano.
Todas as evidências são de incêndios em áreas desmatadas" - Carlos Nobre,
cientista e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados de São Paulo.
Resumo da situação
no ano
-Chuva acumulada - 11,68% acima
da média registrada no período analisado: em 2019 foram 219,95 mm em média para
a região da Amazônia, enquanto a média de 2016 a 2019 era de 196,94 mm – um
pouco abaixo da média histórica entre 1981 e 2010 na região, que é de 204,73
mm.
Alertas de desmatamento – 55% de
aumento em relação à média do período 2016-2019: de janeiro a agosto de 2019 a
área sob alerta somou 6,1 mil km², enquanto que em 2018 a área foi de 3,3 mil
km².
Queimadas - 34% acima da
média do período: foram 46,8 mil focos de incêndio até agosto de 2019, enquanto
a média de 2016 a 2019 é de 34,9 mil.
Infográfico mostra os índices de chuva, queimadas e desmatamentos de 2016 a 2019. — Foto: Infográfico: Juliana Monteiro/G1
Período
de estiagem
Os dados mostram
ainda que mesmo no trimestre da estiagem (junho, julho e agosto), a média de
chuva registrada nas áreas de floresta amazônica foi acima da média histórica.
Foram 119 mm, sendo que a média
histórica para o período é de 108 mm. A estiagem só se intensificou no mês
passado, quando 7 dos 9 estados que integram o bioma apresentaram índice de
precipitação inferior à média.
De acordo com o chefe da previsão do
tempo do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Francisco de Assis Diniz,
as chuvas deste ano estão dentro da normalidade.
“Não é um ano mais seco, não tem nenhum local na Amazônia que
passou mais de 40 dias sem chuva” - Francisco de Assis Diniz, chefe da previsão
do tempo do Inmet.
No entanto, Diniz ressalta que em Mato Grosso (MT) e no
Tocantins (TO), estados que fazem parte da Amazônia Legal mas não são
totalmente cobertos pelo bioma porque têm partes do Cerrado, já enfrentam um
período maior de estiagem em 2019, chegando a 90 dias sem chuva no caso de MT.
O pesquisador do Instituto de Pesquisas
da Amazônia (Ipam) Divino Vicente Silvério afirma que há uma forte relação
entre desmatamento, queimadas e chuva. Um estudo do instituto aponta que os municípios com maior número de queimadas tiveram
as maiores taxas de desmatamento em 2019.
“Mesmo tendo condições climáticas que são mais amenas, ainda
assim temos um número de incêndios florestais muito superior ao que observamos
nos últimos anos” - Divino Vicente Silvério, pesquisador do Ipam.
Desmate
maior que no El Niño de 2016
Em 2016 houve a
ocorrência do El Niño, um fenômeno climático que muda o regime de chuvas e
deixa o tempo mais seco. A comparação entre o total de focos de queimadas
naquele ano e no atual período mostra que os registros de 2019 desvinculam
tempo seco e queimadas. Os dados de queimadas registrados naquele ano foram
menores em estados totalmente cobertos pela Amazônia.
No Amazonas, por exemplo, foram
registrados 8.097 focos de queimadas de janeiro a agosto de 2019 e 330 mm de
chuva no período – quase o dobro de focos de incêndios do que o registrado nos
mesmos meses em 2016, com 4.823 focos de queimadas e 332,33 mm de chuva.
No Acre, os registros de 2019 também
estão superiores ao ano de seca. Foram registrados 3.383 focos de incêndios
entre junho e agosto, e 270,5 mm de chuva. Em 2016 a chuva registrada foi bem
menor (118,8 mm), mas as queimadas chegaram a 3.215 focos, quase o mesmo número
deste ano.
Ciclo
do desmatamento
Divino Silvério, do
Ipam, afirma que os desmatamentos e as queimadas estão relacionados.
“O processo é: as pessoas fazem o
desmatamento e essa vegetação é deixada para secar em um período acima de 30
dias. Depois disso, faz-se a queima para limpar o terreno”, afirma Silvério, do
Ipam.
Caminho da mudança da terra na Amazônia — Foto: Rodrigo Sanches/G1
Ele
se refere ao corte seco, que é quando a árvore inteira é retirada de um espaço.
Segundo Silvério, antes de chegar ao corte seco, as árvores de valor já foram
retiradas e vendidas – sobram as árvores de menor porte e menor valor
econômico. “Eles não vendem e, para se verem livres daquele material, fazem a
queima.”
O
"ciclo de desmatamento" tem como base a tentativa de ocupação
desregrada de terras da União, inclusive em áreas protegidas, como verificou o Desafio Natureza no Pará.
Impactos dos
incêndios na Amazônia
De acordo com especialistas ouvidos
pelo G1, os incêndios na Amazônia
causam prejuízos ambientais mais
graves do que os verificados em países com outros biomas.
Os principais motivos são:
-Maior perda de biodiversidade: a floresta
amazônica é o maior bioma do mundo e abriga a diversidade mais rica do planeta,
segundo o ICMBio.
-Maior perda de matéria vegetal: por ser mais
densa, a floresta tropical perde mais biomassa na queima.
-Maior emissão de carbono por hectare:
por queimar mais biomassa, há maior emissão de gases que contribuem para o
efeito estufa.
-Maior dificuldade de recuperação da cobertura
vegetal: o bioma amazônico é úmido e as espécies são pouco ou nada resistentes
ao fogo.
-Maior risco de afetar ciclos de chuva: a umidade
produzida pela floresta produz chuvas no Brasil, Paraguai e Argentina.
Metodologia
Os dados usados na reportagem foram
compilados de plataformas públicas do governo, como o Banco de Dados
Meteorológicos do Inmet, com índices pluviométricos (http://www.inmet.gov.br/portal/index.php?r=bdmep/bdmep);
e o Banco de Dados de Queimadas (http://queimadas.dgi.inpe.br),
com focos de incêndios. Em ambos, o recorte foi para o bioma Amazônia.
Quanto ao desmatamento, o G1 usou informações do portal Terrabrasilis (http://terrabrasilis.dpi.inpe.br/),
com dados do sistema Deter-B que emite alertas de desmatamento para a floresta
dos estados de Amazônia Legal, o que equivale ao bioma Amazônia.
Este sistema não é a taxa oficial de
desmatamento, que é emitida anualmente pelo Prodes. O G1 optou por usar os dados do Deter-B porque eles apresentam variação
mensal e o período analisado é superior a três meses. Segundo especialistas do
Inpe, o período mais extenso permite que distorções, como a interferência de
nuvens, possam ser diluídas ao longo do tempo.
No
caso dos índices pluviométricos, a tabulação passou por três fases: a primeira
foi a captação manual dos dados de cada estação do bioma Amazônia pelo sistema
do Inmet. Em seguida foram calculadas as médias por estados no período do
recorte (janeiro a agosto de 2016, 2017, 2018 e 2019). Nos estados parcialmente
cobertos pela Amazônia, foram consideradas as estações deste bioma. Com estes
dados, foi possível calcular a média de toda a região.
Por: Elida Oliveira e
Fabio Manzano, G1