Sábado, 20 de maio-(05) de 2023
Matéria de CLÁUDIA COLLUCCI – Folhapress
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Foto: Tânia Rego/ Agência Brasil/arquivo |
A alta
da incidência de infartos em mulheres jovens levou a SBC (Sociedade Brasileira
de Cardiologia) a criar protocolos específicos para a prevenção, o diagnóstico
e o tratamento das doenças isquêmicas do coração feminino.
No Brasil, na faixa etária
entre 15 e 49 anos, a taxa de incidência de infartos passou de 18,5 casos por
100 mil mulheres para 19,9 entre 1990 e 2019. Atualmente, um terço das mulheres
brasileiras de todas as idades morre de doença cardiovascular.
O tema foi discutido nesta
sexta (18) no primeiro congresso voltado à saúde cardiovascular da mulher, que
ocorreu em São Paulo. O documento, de 75 páginas, expõe fatores de risco
cardíaco mais prevalentes nas diversas fases de vida da mulher e o que os
médicos devem fazer para enfrentá-los.
Mulheres que engravidam depois
dos 40 anos, por exemplo, apresentam aumento de 20% do risco de sofrer infarto
durante a gestação.
Ainda que seja um evento pouco
comum na gravidez, 3,34 infartos a cada 100 mil gestações, o dado é uma peça a
mais no quebra-cabeça que tenta explicar a alta da mortalidade de mulheres
jovens por doenças isquêmicas do coração nas últimas décadas.
Segundo cardiologista Gláucia
Maria Moraes de Oliveira, membro da comissão executiva do departamento de
cardiologia da Mulher da SBC, além da idade materna tardia, há uma série outros
fatores que podem aparecer durante a gestação, como diabetes, hipertensão e
arritmias, que elevam o risco cardíaco.
“A gravidez é um estresse, como
se fosse um teste de esforço para a mulher. Ao mesmo tempo é uma janela de
oportunidade para identificar os riscos cardiovasculares que podem se
manifestar ainda na gestão ou depois, ao longo da vida”, afirma a médica, uma
das coordenadoras da nova diretriz.
O documento chama a atenção
também para os riscos envolvidos nos contraceptivos hormonais. Diz, por
exemplo, que eles se mostram eficazes e seguros para mulheres saudáveis, mas
ainda que há escassez de evidências sobre seus efeitos em portadoras de
comorbidades.
Uma meta-análise demonstrou que
o uso de CHC (contraceptivos hormonais combinados com estrógeno e progesterona)
representa um risco 1,7 vez maior de infarto do miocárdio e de AVC (acidente
vascular cerebral) isquêmico.
O efeito é atribuído à ação do
estrogênio ao passar pelo fígado e promover alterações dos fatores hemostáticos
(que mantêm o sangue em estado fluído enquanto circula) que podem favorecer a
trombose.
A diretriz orienta que, se a mulher tiver fatores de risco para doenças
cardiovasculares, os CHC são contraindicados. Nessas situações, são
recomendados os CPP (contraceptivos progestágenos puros).
O documento trata ainda de fatores que causam a infertilidade e que
podem predispor a doenças cardiovasculares em mulheres, como a síndrome do
ovário policístico (SOP) e a endometriose.
Uma meta-análise que comparou grupos de mulheres da mesma faixa etária,
com ou sem infertilidade, mostrou que as mulheres com SOP apresentam maior
risco de obesidade, hipertensão, intolerância a glicose, dislipidemia e apneia
obstrutiva do sono. Nessas mulheres, há risco aumentado de infarto do
miocárdio, doença isquêmica do coração e AVC.
A endometriose é outra causa de infertilidade que tem associação com
aumento de risco para doença cardiovascular. Na doença ocorre um processo
inflamatório crônico mediado por substâncias que induzem o aumento do estresse
oxidativo e do LDL-colesterol, que levam à formação de placas de gordura na superfície
interna das paredes das artérias.
Segundo o documento, a terapia de fertilização é considerada como um
potencial fator de risco para os distúrbios, mas não ainda há evidências
robustas sobre essa associação.
Para os cardiologistas, é muito provável que o aumento da incidência e
de mortes por infartos em mulheres jovens também esteja relacionado ao estilo
de vida.
Dados da Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para
Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel, 2020) apontaram que 65% das
mulheres entre 18 e 45 anos estão com excesso de peso, e cerca de um quinto
delas, obesas. Cerca de 27% têm hipertensão. Já a taxa de diabetes, outra
doença que aumenta o risco cardiovascular, dobrou entre mulheres de 24 a 35
anos.
As mulheres também apresentam maior frequência de fatores de risco
cardiovasculares não tradicionais, como estresse mental e depressão, e sofrem
maior consequência das desvantagens sociais devido à raça, à etnia e à renda,
segundo o documento.
“Há falta de conscientização das próprias mulheres. Já que os sintomas
do infarto não são tão típicos, elas retardam a ida ao pronto-socorro.
E também não costumam receber o tratamento adequado.”
A auxiliar de enfermagem Bianca de Souza da Silva, 37, do Rio de
Janeiro, sofreu um infarto em 2020. “Comecei a sentir calafrios, sudorese e
muita dor no peito. Meu marido pensou que fosse crise de ansiedade porque eu já
tive anos atrás. Mas eu sentia que era algo diferente.”
Como não tinha nenhum fator de risco cardíaco, a equipe médica que a
atendeu na emergência também suspeitou de ansiedade e a medicou com
ansiolítico. “Quando saiu o resultado do exame de sangue, só me lembro de ouvir
o pessoal gritando CTI, CTI, CTI, ela infartou, ela infartou. Fiquei uma semana
na UTI.”
Além do sintoma mais prevalente, a dor no peito, entre as mulheres são
comuns sinais como cansaço, fadiga, dores nas costas, no pescoço e no braço,
além de náuseas e vômitos.
Segundo a médica, quando chegam com esses sintomas atípicos numa
emergência, nem sempre eles são associados ao infarto e aí há uma demora para
dosar as troponinas, proteínas liberadas no sangue quando há uma lesão no
coração, ou fazer eletrocardiograma.
As confusões não param por aí. “Há alterações no eletrocardiograma da
mulher que são diferentes da dos homens. Existe um número razoável de infartos
em mulheres sem doença obstrutiva”, explica a cardiologista.
Mulheres infartadas também costumam receber menos o tratamento de
angioplastia primária (desobstrução da artéria) do que os homens, às vezes na
mesma instituição. “Nas mulheres, a revascularização da artéria ocluída pode
ser mais difícil devido a sangramento no local de acesso e a artérias
coronárias pequenas e mais tortuosas.”
De acordo com a cardiologista, a ideia é que o novo documento da SBC
guie não apenas os cardiologistas como também os médicos de família,
ginecologistas e obstetras, endocrinologistas e as mulheres em geral. “Se elas
não procuram ajuda, a gente não consegue ajudar também.”
Por: CLÁUDIA COLLUCCI – Folhapress