Segunda-feira, 01 de maio-(05) de 202
Chance do deficit nominal ultrapassar ao registrado na
pandemia é grande; gastos com o RS piora a trajetória das contas
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) adotou medidas para que os gastos com o Estado não sejam computadas nas metas de resultado primário |
O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem deficit nominal
quase igual ao registrado na situação mais crítica da pandemia de covid-19. O
impacto econômico provocado pelas enchentes no Rio Grande do Sul deve piorar a
trajetória dos gastos públicos. Os programas sociais e a suspensão no pagamento
da dívida do Estado vão aumentar a dívida bruta do governo, que em março foi de
75,7% do PIB (Produto Interno Bruto).
O resultado nominal considera o saldo das receitas e despesas
da União e inclui o pagamento dos juros da dívida bruta. O Congresso aprovou
uma medida apresentada pelo governo para excluir os gastos com o Rio Grande do
Sul do cálculo das principais regras fiscais, por exemplo do marco fiscal
sancionado em agosto de 2023. Portanto, as despesas com o RS não serão
contabilizadas na meta de resultado primário, que exclui o pagamento dos juros
da dívida.
O Brasil gastou R$ 745,7 bilhões com os juros da dívida no
acumulado de 12 meses até março. Os dados de deficit são do setor público
consolidado –formado por União, Estados, municípios e estatais.
A expansão de gastos fora das regras fiscais vai aumentar a
dívida pública. No Boletim Focus, do Banco Central, os analistas do mercado
financeiro aumentaram a projeção de 79,75% (estimativa da semana anterior) para
80% do PIB. Com a sinalização do Copom (Comitê de Política Monetária) em cortar
a Selic em 0,25 ponto percentual, será mais caro custear os juros da dívida.
A mediana das estimativas também piorou para os anos
seguintes:
2025: de 76% para 76,15% do PIB;
2026: de 77,5% para 78% do PIB;
2027: de 75% para 76% do PIB.
Dados do Banco Central mostram que o deficit nominal do
Brasil foi de R$ 998,6 bilhões no acumulado de 12 meses até março. O patamar de
resultado nominal mais baixo (infográfico abaixo) foi em janeiro de 2021, quando
atingiu R$ 1,016 trilhão.
JUROS DA DÍVIDA
A despesa com o pagamento de juros da dívida explica, em
parte, o motivo do rombo nominal elevado no país. A taxa básica, a Selic, está
acima de 2 dígitos desde fevereiro de 2022, o que contribuiu para encarecer o
estoque da dívida e aumentar o deficit nominal do governo.
Mas não foi só o pagamento dos juros da dívida que piorou a
situação fiscal do país. A expansão de gastos no governo Lula aumentou o
deficit primário, que é o cálculo que exclui o pagamento do serviço da dívida.
Dados do Banco Central mostram que o setor público consolidado passou a ter um
saldo negativo em maio de 2023 no acumulado de 12 meses. O rombo aumentou
gradualmente, em março de 2024, atingiu R$ 252,9 bilhões.
RIO GRANDE DO SUL
O governo anunciou a suspensão do pagamento da dívida do Rio
Grande do Sul e de municípios do Estado por 3 anos. Isso resultará em impacto
de R$ 23 bilhões no período.
O ministro Fernando Haddad (Fazenda) disse que, desse valor,
R$ 11 bilhões são por causa do adiamento e R$ 12 bilhões, do não pagamento de
juros.
Além disso, o governo liberou R$ 12 bilhões em créditos
extraordinários na MP (Medida Provisória) 1.218 de 2024. No total, R$ 35
bilhões foram anunciados fora das regras fiscais.
O governo também estuda programas para beneficiar diretamente
a população do Estado. Ainda não há estimativas sobre o custeio. Portanto, não
há definição de qual será o custo total para mitigar os efeitos das chuvas no
Rio Grande do Sul.
As enchentes no Rio Grande do Sul terão impacto negativo
sobre o crescimento econômico do Estado e, consequentemente, do país. Isso
também resutará em relação dívida-PIB pior do que a esperada anteriormente. O
Poder360 mostrou que as chuvas podem reduzir o ritmo de crescimento do PIB em
até 0,4 ponto percentual neste ano.
O Banco ABC Brasil disse que os gastos projetados de 0,2% do
PIB parecem ser “subestimados”. Disse que o furacão Katrina custou cerca de 1%
do PIB dos EUA à época. “É mais um fator de risco a tensionar as preocupações
com o quadro fiscal no Brasil – principalmente em termos de dinâmica da dívida
e credibilidade do arcabouço fiscal”, disse relatório do banco.
A agência de risco Moody’s disse que o aumento de gastos
torna as metas fiscais do país mais desafiadoras. Aumentou de 0,5% para 0,75%
do PIB (Produto Interno Bruto) a projeção de deficit primário da União. O rombo
nominal será de 6,7% do PIB, segundo o documento, acima do 6,2% projetado
anteriormente.
A Moody’s havia anunciado em 1º de maio deste ano a mudança
de “estável” para “positiva” a perspectiva da nota Ba2 do Brasil.
A agência escreveu: “As despesas de emergência testarão a
capacidade do governo central para fazer face às necessidades de despesas
adicionais, ao mesmo tempo que tenta alcançar a consolidação fiscal”. Afirmou,
porém, que o pacote fiscal é significativamente menor que o adotado na pandemia,
de 8% do PIB de gastos, com deficit de quase 12% do PIB.
“O efeito das inundações nos gastos emergenciais relacionados
às contas fiscais e à trajetória da dívida do Brasil ainda são administráveis”,
disse o relatório.
A Moody’s estima um resultado fiscal melhor em 2024 que em
2023, mas avalia que o governo terá de “abordar outras medidas para alcançar as
metas fiscais nos anos seguintes”. E continua: “As enchentes sem precedentes no
Rio Grande do Sul ressaltam a importância de prosseguir na consolidação fiscal
e redução da rigidez dos gastos para manter reservas fiscais”.
O economista Gabriel Leal de Barros disse ao Poder360 que é
“questionável” o governo ter retirado os gastos com o Rio Grande do Sul do
cálculo das metas de resultado primário. Segundo ele, o aporte de recursos da
União não tem questionamentos sobre o mérito, mas a forma que está sendo feita.
CRÍTICAS E RESPOSTA
Os ex-presidentes do Banco Central Pérsio
Arida (1995) e Pedro Malan (1993-1995) criticaram a política fiscal do governo
Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Pérsio defendeu que o tripé macroeconômico está
“manco” por causa da gestão de gastos do governo.
Em resposta, Haddad declarou que o país convive com 10 anos
de deficit no Brasil. Disse que houve rombo de R$ 2 trilhões em uma década.
“Isso não favorece um crescimento maior da economia brasileira. O que está
garantindo o crescimento econômico é justamente nós fazermos o que nós estamos
fazendo, recompondo a base fiscal do Estado brasileiro que foi erodida ao longo
desses anos”, disse o ministro.
Haddad falou que o governo também ataca as renúncias fiscais
e as distorções do sistema tributário. “Nós herdamos uma situação difícil”,
declarou. “O projeto de lei orçamentária do governo anterior já previa um
deficit da ordem de R$ 138 bilhões, [com] R$ 63 bilhões explícitos e mais um
tanto implícito, pelo fato de não ter considerado despesas que estavam
contratadas”, completou.
Também em resposta às críticas dos ex-presidentes do Banco
Central, Haddad disse que a carga tributária aumentou de 26% para 32% do PIB no
período do Plano Real. Afirmou que houve um “esforço terrível” da sociedade
para conseguir estabilizar a moeda.
Indagado se o governo conseguirá cumprir a meta de zerar o
deficit primário em 2024, Haddad respondeu que vai “perseguir” esse objetivo.
Disse que a “disciplina vai continuar” e que vai interagir com o Judiciário e
Legislativo em torno do “pacto pelas contas públicas”.
“Nós já somos a 9ª
economia [global]. Estamos atraindo mais uma vez investimentos. Sem
desconsiderar as dificuldades do momento e os desafios que estão colocados, eu
sou uma pessoa otimista em relação ao Brasil”, declarou Haddad.
Por: Hamilton Ferrari - Poder 360