Quinta-feira, 13 de junho-(06) de 2024
Pena para o crime de homicídio simples – definido pelo
Código Penal como quando se mata alguém – varia de 6 a 20 anos de prisão.
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Câmara dos Deputados (Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil) |
Em
tramitação na Câmara dos Deputados, o projeto de lei (PL 1904/24) que equipara
o aborto realizado após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio simples
poderia permitir que uma mulher vítima de estupro que interrompesse a gravidez
tivesse pena maior do que a do estuprador, segundo especialistas consultados
pela CNN.
A
pena para o crime de homicídio simples – definido pelo Código Penal como quando
se mata alguém – varia de 6 a 20 anos de prisão.
Já
a pena para estupro vai de 6 a 10 anos, podendo chegar a 12 anos se a vítima
for menor de 18 anos e maior de 14 anos, destaca a advogada Flávia Pinto
Ribeiro, presidente da OAB Mulher Rio de Janeiro.
“Isso
significa que, em um cenário hipotético, uma mulher adulta vítima de estupro
que interrompa a gravidez após a 22ª semana poderia ser condenada a uma pena
mais severa do que a do estuprador”, explica a advogada.
A
Câmara dos Deputados aprovou na quarta-feira (12) a urgência do projeto. Com
isso, o texto poderá ser analisado diretamente pelo plenário da Casa, sem
necessidade de passar por comissões temáticas.
Na avaliação
de Flávia, a discrepância entre as eventuais penas dos agressores e das vítimas
de estupro é “profundamente problemática”.
“Ignora os
direitos e o bem-estar da mulher, além de refletir um sistema jurídico que
muitas vezes penaliza mais severamente as mulheres do que os homens por
questões relacionadas ao controle de seus próprios corpos”, afirma.
A advogada
criminalista Fayda Belo, especialista em Crimes de Gênero, Direito
Antidiscriminatório e Feminicídios, considera a hipótese uma “aberração
jurídica”.
“Estamos
vivendo um retrocesso que chancela o quanto temos um legislativo misógino que
tenta, a todo custo, inferiorizar e punir as mulheres”, disse.
Além de
classificar como uma medida desproporcional, a especialista chama a atenção
para a maneira como a medida poderia afetar de forma mais crítica mais mulheres
de classes mais baixas.
“[Caso seja
aprovado] o que teremos será mais um instrumento para penalizar e encarcerar
mulheres pobres, em sua maioria negras – que são aquelas que não detêm acesso a
recursos”, analisa.
Para a
especialista, seria mais prudente que o Poder Público “tente uma maneira
realmente eficaz de evitar abortos que não seja a criminalização, como educação
sexual, planejamento familiar, amparo as mulheres gestantes e acessos a
contraceptivos”.
Sócia da
Escola Brasileira de Direitos das Mulheres, a advogada Mariana Tripode defende
que “a diferença nas penas evidencia uma desproporcionalidade que não apenas
ignora as circunstâncias extremamente traumáticas que a mulher enfrenta, mas
também envia uma mensagem preocupante de que o sofrimento e os direitos das
mulheres são secundários em relação ao feto”.
Atualmente, o
Código Penal define que:
-Se a gestante
provocar um aborto ou consentir que o provoque: pena de um a três anos em
regime semi-aberto ou aberto;
-Se alguém provocar
um aborto sem o consentimento da gestante: pena de três a dez anos em
regime fechado;
-Se alguém provocar
um aborto com o consentimento da gestante: pena de um a quatro anos em
regime fechado;
-Se, devido ao
processo abortivo, a gestante sofrer uma lesão corporal grave, as penas
para terceiros são aumentadas em um terço. E se resultar em morte,
duplicada.
-Médicos e
gestantes que se submeterem a eles para procedimentos de interrupção da
gravidez de fetos anencéfalos (sem cérebro) não são enquadrados pelo
Código Penal.
-O aborto legal
também é reconhecido quando “não há outro meio de salvar a vida da
gestante” ou quando a gravidez é resultante de estupro.
O que o projeto
prevê
O projeto de
lei visa equiparar as penas aplicadas para os crimes de homicídio simples e
aborto em casos de gestações acima de 22 semanas.
Em casos de
estupro em que a gestação transcorre há 22 semanas ou mais, o projeto também
prevê a aplicação da equiparação.
Sobre os
procedimentos abortivos em casos de anencefalia do feto ou risco à saúde da
gestante, fica mantido o que prevê atualmente o Código Penal.
Constitucionalidade
do projeto
Segundo
especialistas consultados pela CNN, a constitucionalidade do projeto de lei é
discutível.
“A
Constituição Federal garante a dignidade da pessoa humana como um dos
princípios fundamentais do país. É possível, por esse raciocínio, apontar a
inconstitucionalidade do projeto de lei, a impor um tratamento degradante a
mulher vítima de estupro”, avalia o advogado Enzo Fachini, especialista em
Direito Penal.
Por outro
lado, a “interpretação do direito à vida em relação ao feto é tema
juridicamente complexo. Só a partir de um julgamento concreto pelo STF
poderemos afirmar a inconstitucionalidade do projeto de lei”, salienta Fachini.
Fayda
concorda com o argumento da dignidade da pessoa humana e relembra que a Constituição
Federal determina como direito fundamental, “ou seja, irremovível,
irrenunciável e que não pode ser suprimido inclusive pelo legislador, a não
submissão de nenhum brasileiro a tratamento desumano e degradante, bem como a
igualdade de gênero”.
Além dos
argumentos levantados pelos especialistas, a advogada Gabriela Souza, que
também é sócia da Escola Brasileira de Direitos das Mulheres, destaca que o
projeto esbarra em outras legislações do país, “como o Código Penal, que
determina aborto em casos de estupro. Também viola tratados internacionais, que
têm a força de regra constitucional, como a Convenção de Belém do Pará”.
Para o
advogado criminalista Rafael Paiva, o projeto não é “inconstitucional em uma
primeira análise”, porém “poderá vir a sofrer questionamentos de
inconvencionalidade, eis que claramente viola os preceitos da Convenção
Americana de direitos humanos, da qual o Brasil é signatário”.
Por: CNN Brasil