Domingo, 06 de abril-(04) de 2025:
Matéria da Agência Brasil
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Imagem meramente ilustrativa - (Foto: José Cruz / Agência Brasil) |
O governo ter dívidas, por si só, não é necessariamente ruim,
mas é preciso ter noção das restrições orçamentárias das contas públicas. A
avaliação é do economista Marco Cavalcanti, coordenador de Finanças Públicas
do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado ao
Ministério do Planejamento e Orçamento.
Cavalcanti, que já foi subsecretário de Política Fiscal da
Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia, em 2019 e 2020,
conversou com a Agência
Brasil sobre aspectos da Dívida Pública Federal (DPF), como
trajetória e sustentabilidade.
A dívida pública é uma forma de o governo se financiar. Ela
surge e aumenta sempre que o governo gasta mais do que arrecada. Quando os
impostos e demais receitas não são suficientes para cobrir as despesas, o
governo é financiado por credores.
As informações sobre o comportamento da dívida, seus detentores
e valores pagos são atualizadas mensalmente pelo Tesouro Nacional,
instituição do Ministério da Fazenda.
Professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), o economista descreve que, em 2024, o gasto do governo para honrar compromissos
– chamado serviço da dívida – foi de 41,6% do orçamento federal executado.
Dentro desse valor, estão as amortizações e refinanciamentos,
que somam R$ 1,658 trilhão (34,3% do orçamento); e os juros, R$ 352 milhões
(7,3%).
Todos esses números referem-se apenas à dívida do governo federal,
que é apenas uma parcela da Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) – que
inclui governos federal, estaduais e municipais e o Instituto Nacional do
Seguro Social.
Esse montante fechou janeiro de 2025 em R$ 8,9 trilhões, o
que representa 75,3% do total de riquezas produzidas em um ano pelo
Brasil, medidas pelo Produto Interno Bruto.
A quem o país deve
O levantamento mais recente, relativo a
fevereiro, divulgado no último dia 28, apontou que o estoque da Dívida Pública Federal era de R$ 7,492 trilhões. Esse
valor não significa que precisa ser paga ou refinanciada toda de uma vez só,
pois há um escalonamento dos vencimentos, que têm prazo médio de 4,08
anos.
-R$ 7,178 trilhões são devidos a credores domésticos.
-R$ 314,34 bilhões a credores internacionais.
Para contrair uma dívida, o governo troca títulos
públicos por dinheiro, que é usado para suas necessidades. Em troca, o
credor combina receber algo além do mesmo dinheiro emprestado, ou seja, a
remuneração da dívida, que é cobrada em forma de juros.
De acordo com o Plano Anual de Financiamento (PAF), apresentado
no início de fevereiro, a DPF deve encerrar 2025 entre R$ 8,1 trilhões e R$ 8,5
trilhões.
A remuneração que governo
precisa pagar aos credores segue a proporção:
-47,77% do estoque
atrelada à taxa Selic – atualmente em 14,25% ao ano;
-20,54% pré-fixada
(taxa fixa acertada no momento da contratação da dívida);
-27,51% indexados à
inflação;
-4,18% corrigidos
em dólar.
E quem são os credores?
-29,8%
da dívida são devidos a instituições financeiras;
-24,1% a fundos de
pensão;
-22,3% a fundos de
investimentos;
-9,7% a não
residentes (estrangeiros);
-3,2% a governo;
-3,8% a
seguradoras;
-7,1% a outros.
Pessoas físicas podem deter títulos do governo, seja por meio
direto, como investimento no Tesouro Direto, ou indireto, por meio de
fundos de investimento, por exemplo.
Necessidade de dívida
O pesquisador do Ipea Marco Cavalcanti explica que quando o
governo se financia via dívida, o faz porque não está conseguindo receitas para
financiar as despesas, “que são julgadas necessárias pelo governo e, logo, pela
sociedade, que é representada pelo governo e pelos congressistas”.
Cavalcanti constata que, às vezes, as pessoas tendem a
interpretar dívida como algo negativa, “o que não é o caso”. Ele cita o exemplo
dos gastos públicos durante a pandemia de covid-19, iniciada em 2020, que
deixou pessoas sem emprego e empresas sem faturamento. Naquele período, governos
de todo o mundo se endividaram para prestar auxílios e incentivos à sociedade.
No entanto, ele
adverte que é preciso ter cuidado com as restrições orçamentárias, para que a
dívida não fuja do controle.
“O problema é que quando a dívida começa a aumentar de forma
muito perigosa, pode ter uma trajetória insustentável, então, começa a pesar
muito fortemente [o gasto com] os juros no orçamento corrente”.
Quanto maior o gasto com o
serviço da dívida, menor o espaço no orçamento para outras despesas como saúde,
educação, previdência, funcionalismo
e investimentos.
O professor de economia defende que haja mecanismos de controle
de gastos públicos, como o arcabouço fiscal, que dita o ritmo de crescimento
das despesas do governo de forma que seja possível controlar a dívida pública.
O ex-subsecretário de Política Fiscal aponta, entretanto, que o
arcabouço, por si só, não é capaz de estabilizar a dívida, uma vez que algumas
despesas do governo, como educação e saúde, têm regras próprias de
comportamento.
“Tem um conjunto de outras regras, inclusive constitucionais,
que tendem a levar a um crescimento forte da despesa”.
Cavalcanti ressalta que a preocupação com o gasto público não é
uma questão apenas do Brasil. Muitos países adotam regras fiscais para o
controle de gastos. “Você impõe uma restrição para evitar um mal maior”.
Fator juros
O coordenador do Ipea assinala que, assim como a economia mensal
que o governo faz para pagar a dívida (superávit primário), os juros cobrados pelos credores são elemento central na equação
que dita o comportamento da dívida. Quanto menores os juros
exigidos, mais fácil controlar a dívida.
Ele explica que a decisão sobre a Selic por parte do Banco
Central (BC) não se resume ao controle inflacionário, mas leva em consideração
também o apetite de credores pelos títulos da dívida.
“A disciplina fiscal é uma das formas importantes que se tem
para tentar reduzir esse risco fiscal, reduzir essa taxa de juros de equilíbrio
da economia”, diz.
“Segurar os gastos e evitar desperdícios, melhorar a eficiência
do gasto, apontar para uma trajetória sustentável para a dívida pode acabar
gerando um círculo virtuoso”, completa ele, indicando que os credores passarão
a aceitar juros menores para financiar o governo, medida que faria a dívida
pressionar menos o orçamento.
De acordo com o professor, o governo trabalha com o cenário de
dívida pública federal crescente até 2027/2028, Com queda a partir de 2029. Já
as projeções de instituições do mercado financeiro são mais pessimistas,
algumas acreditando na estabilização a partir de 2033.
Por: Agência Brasil