Segunda-feira, 10 de outubro de 2016
Os pedidos de ajuda vêm de forma anônima, com
deslizes gramaticais que denunciam a pouca idade de quem está por trás dos
depoimentos publicados em sites e fóruns da internet. “Olá, tenho 10 anos, eu
sofro de bullying, eu sou provocado, eu às vezes tenho vergonha, me chamam de
feio, gay, nogento (sic), burro, mulherenco (sic), fofoqueiro, palhaço,
estúpido.” “As meninas me excluem, nem falam comigo, e acho que também tô com
depressão. Minha mãe nem liga, fala que isso é coisa da minha cabeça. Tô indo
supermal na escola, quando eu ficar com 18 anos, vou me suisidar (sic), já vou
ser mais uma aberração na sociedade.” “Não tenho com quem falar. Não tenho
irmão, nem amigos. Me zoam muito, é a maior humilhação. Estou enlouquecendo. O
que faço?”.
Nem sempre esses meninos e essas meninas encontram resposta para seus
apelos. O bullying — problema que, de acordo com pesquisadores, é vivenciado
por 75% das crianças e dos adolescentes — muitas vezes acaba subestimado,
compreendido como algo normal da idade. Porém, um estudo publicado na revista
Child Development, da Sociedade de Pesquisa do Desenvolvimento Infantil, nos
EUA, mostra a importância de se estender a mão aos pequenos ao primeiro sinal
de sofrimento. O artigo indica que a intervenção precoce é essencial para evitar
danos persistentes à saúde mental que podem afetar vítimas de perseguição mais
severa e prolongada, cerca de 10% a 15% daqueles que sofrem bullying.
O trabalho foi conduzido por pesquisadores de três universidades
americanas em escolas do ensino fundamental do país. Seiscentos e trinta e seis
estudantes do segundo ao sexto anos foram acompanhados de 2011 a 2016 e, ao
longo desse período, submetidos a uma avaliação de nível de estresse. O
interesse dos especialistas era investigar como a forma que as crianças lidavam
com eventos estressantes era afetada quando elas se tornavam alvo de
vitimização pelos colegas.
“A resposta ao estresse nas relações sociais desempenha um importante
papel no desenvolvimento de problemas mentais, como depressão. As crianças
saem-se melhor quando podem controlar suas reações, como sentimentos,
pensamentos e ações, e se endereçam ativamente aos problemas”, explica Wendy
Troop-Gordon, professora de psicologia da Universidade da Dakota do Norte e
principal autora do trabalho. “Essas respostas incluem estratégias como
encontrar soluções para problemas, pensar neles de forma positiva e achar meios
de regular as emoções. Diferentemente, quando elas evitam os fatores
estressores ou quando suas reações estão muito fora de controle, o risco de
problemas emocionais aumenta.”
Apatia
Normalmente, à medida que cresce, a criança lida mais facilmente com os problemas à sua volta. Contudo, no estudo, os pesquisadores descobriram que estar sujeito ao bullying precoce e continuadamente faz com que, ao longo do tempo, os pequenos simplesmente não tentem mais enfrentar a situação. É como se aceitassem serem vitimizados, como os cães de estudos realizados na década de 1960 que, de tanto levarem choques (de pequena intensidade, contudo), não buscavam sair da jaula em que estavam, nem desligar o mecanismo que acionava as descargas elétricas.
Normalmente, à medida que cresce, a criança lida mais facilmente com os problemas à sua volta. Contudo, no estudo, os pesquisadores descobriram que estar sujeito ao bullying precoce e continuadamente faz com que, ao longo do tempo, os pequenos simplesmente não tentem mais enfrentar a situação. É como se aceitassem serem vitimizados, como os cães de estudos realizados na década de 1960 que, de tanto levarem choques (de pequena intensidade, contudo), não buscavam sair da jaula em que estavam, nem desligar o mecanismo que acionava as descargas elétricas.
“Quando as crianças e os adolescentes são expostos à violência escolar
precocemente e por um longo período de tempo, eles não criam mais estratégias
de enfrentamento, um fenômeno que chamamos de desamparo aprendido”, explica a
psicóloga infantojuvenil Flávia Lacerda, facilitadora do Amigos para a Vida, um
programa reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que faz prevenção
e intervenção em casos de bullying e ensina os pequenos a desenvolverem meios
de lidar com o estresse. “No prazo de cinco anos do estudo, crianças que
começaram a sofrer vitimização com 7 já podiam ser classificadas no nível três
de estresse, que corresponde à exaustão”, diz. O estresse, portanto, torna-se
crônico.
As consequências disso podem ser trágicas, observa a psiquiatra Júlia
Torres, diretora médica da Clínica Psicodiagnóstica, que atende o público
infantojuvenil. “Quanto mais cedo a criança é exposta, piores são os impactos.
É da infância que tiramos o aprendizado. Concepções do mundo surgem aí, quando
se aprende como é o mundo, como são as pessoas”, lembra. Uma experiência
traumática nessa fase pode deixar sequelas que persistem até a idade adulta,
destaca a médica. “Toda criança convive com situações adversas. Ela estará
exposta a críticas, mas o problema é quando isso extrapola. As consequências a
longo prazo podem ser tanto prejuízo acadêmico quanto impacto nas relações
interpessoais, como famílias, amigos, trabalho e casamento”, explica.
Redação do PBAgora
com revista Child Development