Domingo, 30 de abril de 2017
“Depressão é uma doença que faz a gente parar de enxergar a realidade
que está a nossa volta. Por mais que alguém diga que você é bonita,
bem-sucedida, nada disso adianta quando a gente está com esse defeito na
cabeça, que diz exatamente o contrário”, conta Nauzila Campos, de 25 anos. A
jornalista, advogada e modelo convive com a doença desde 2015.
No mês em que a
Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta para o aumento de casos de depressão,
especialistas e pessoas em tratamento destacam a necessidade de debater o
assunto e de lidar com a influência do bullying sobre a depressão e da
depressão sobre o suicídio.
O número de pessoas
que vivem com depressão, segundo a OMS, cresceu 18% entre 2005 e 2015. A
estimativa é de que, atualmente, mais de 300 milhões de pessoas de todas as
idades sofram com a doença no mundo. “No pior dos casos, a depressão pode levar
ao suicídio, segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos”,
destaca a OMS.
“O problema da
depressão é que, mesmo que ela não seja crônica, ela é um fantasma que fica ali
na moita, à espreita, pronta para atacar novamente”, acrescenta Nauzila. Em uma
das crises, a advogada ficou horas vagando pelas ruas. Hoje, ela usa as redes
sociais para falar do problema.
A coordenadora da
Comissão de Estudo e Prevenção ao Suicídio da Associação Brasileira de
Psiquiatria, Alexandrina Meleiro, destaca que a falta de conhecimento faz com
que o assunto se torne tabu, por isso, é tão importante discutir o tema. “Só
sabe o que é depressão quem já passou ou está passando [por isso]. Quem está de
fora claro que tem preconceito: é por que não tem o que fazer, é por que é
preguiçoso. Então, [o doente] tem mil rótulos.”
O quadro de
diminuição de autoestima, tristeza, desânimo e perda cognitiva é resultado de
alterações nos neurotransmissores. “Então, a pessoa fica mais lenta nas reações
emocionais, no sono, no peso que pode alterar para mais ou para menos. Uma
infinidade de sintomas vai expor o quadro depressivo”, conta Alexandrina.
Segundo a OMS, a
depressão será em uma década a doença que mais vai afastar as pessoas do seu
dia a dia.
Além das redes
sociais, séries na internet, desafios virtuais e brincadeiras perigosas colocam
esses assuntos em destaque.
Bullying
Rebeca Cavalcanti, de
24 anos, não tem boas recordações do primário. “Foi um período muito complexo
para mim, e o tipo de bullying que eu sofri foi por causa das minhas
características físicas. Hoje em dia em tenho um sério problema por causa da
minha aparência”, lembra a estudante.
Assim como Rebeca,
dezenas de crianças e adolescentes são alvo de piadas e boatos maldosos, além
de serem excluídos pelos colegas. Um em cada dez estudantes no Brasil é vítima
frequente de bullying, de acordo com o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes
(Pisa). Dados do relatório mostram que 17,5% dos alunos brasileiros, na faixa
dos 15 anos, sofreram algum tipo de bullying “pelo menos algumas vezes no mês”.
Segundo a psiquiatra,
estudos mostram que casos de ansiedade e depressão podem estar relacionados ao
bullying. “Ele vai massacrando a autoestima e isso favorece desenvolver alguns
quadros, entre eles, de ansiedade e principalmente de depressão. Há estudos
nacionais e internacionais mostrando que pessoas vítimas de bullying são mais
suscetíveis a desenvolver quadros depressivos.”
Desde o ano passado,
está em vigor a lei que obriga escolas e clubes a adotarem medidas de prevenção
e combate o bullying por meio da capacitação de professores e equipes
pedagógicas. A norma também estabelece que sejam oferecida assistência
psicológica, social e jurídica às vítimas e aos agressores.
13 Reasons Why
A série 13 Reasons
Why, disponível no catálogo de filmes do Netflix, aborda casos de bullying
entre adolescentes. A primeira temporada do enredo conta a história de um jovem
estudante que encontra uma caixa com várias fitas cassete na porta de sua casa,
gravadas por sua amiga que se suicidou. Em cada fita, a menina dá treze motivos
pelos quais cada pessoa a quem as fitas foram enviadas, contribuíram para que
ela se suicidasse.
CVV
A série fez com que
aumentasse a procura pelo serviço do Centro de Valorização da Vida (CVV). Para
a voluntária do CVV, que prefere ser chamada apenas de Leila, além de tratar
como política pública, é preciso incentivar formas de ajuda em casos de
depressão.
“A gente não pode
ficar de braços cruzados vendo isso. É uma questão de política pública. Quando
a gente está com uma dor no pé, a gente vai ao ortopedista, se o problema é o
coração, com taquicardia, a gente vai ao cardiologista. Então, quando a gente
está com uma dor emocional uma dor que não é física, a gente tem que tratar também
buscar auxílio para essas emoções.”
Leila conta que as
pessoas que recorrem ao CVV querem falar de suas angústias, de seus problemas
de uma forma sigilosa, de uma forma acolhedora. “[Agimos] para que ela se sinta
à vontade ali para falar coisas que talvez de outra forma ela não teria com
quem falar. Ela se sentiria julgada.”
Além das unidades em
diversas regiões do país, o CVV atende pelo número 141.
Suicídio
De acordo com a OMS,
o suicídio é atualmente um problema de saúde pública, sendo uma das três
principais causas de morte, entre pessoas de 15 a 44 anos, e a segunda entre as
de 10 a 24 anos. A cada ano, aproximadamente 1 milhão de pessoas tira a própria
vida, o que representa uma morte a cada 40 segundos. O Brasil tem cerca de 10
mil registros anuais.
Estudos revelam que a
maioria dos suicídios está ligada a transtornos psiquiátricos como explica a
psiquiatra Alexandrina Meleiro.
Em meio a informações
sobre desafios virtuais e suicídios supostamente associados a jogos o médico
Daniel Martins de Barros, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas
de São Paulo, defende que o tema seja conversado entre pais e filhos.
“Os pais têm o papel
de ajudar os filhos a lidar com as informações que eles recebem do mundo. Não
adianta você falar eu não vou conversar com o meu filho sobre isso, porque seu
filho vai conversar sobre isso com outras pessoas. Então, é melhor você passar
sua versão”, destacou o psiquiatra. “Às vezes, a criança e o adolescente não
conseguem elaborar muito essa sensação de tristeza, mas ficam mais irritados,
às vezes mais agressivos, mais inquietos. Começam a influenciar nos
relacionamentos, no rendimento escolar. São mudanças que você só percebe
estando atento, estando envolvido com seus filhos.”
E é possível reagir.
“Eu sei o que é chegar ao fundo do poço e eu sei que é possível sair, não
importa quão fundo você chegue. Eu sei o que é você acreditar que nada tem
saída em relação àquele problema, que nada se pode fazer em relação à doença
que você tem. Mas eu quero dizer que tem sim. É possível sair dessa”, disse a
advogada Nauzila Campos.
Baleia Azul
O jogo virtual Baleia
Azul é praticado em comunidades fechadas de redes sociais como Facebook e
Whatsapp e instiga os participantes, em maioria adolescentes, a cumprir 50
tarefas, sendo a última delas o suicídio. Pelo menos três mortes suspeitas de
estarem relacionadas ao suposto jogo são investigadas pelas autoridades locais
de Belo Horizonte, Pará de Minas (MG), Arcoverde (PE). No Rio de Janeiro, a
Polícia Civil investiga, pelo menos, quatro casos suspeitos, todos envolvendo
adolescentes a prática do jogo no estado. A Polícia Federal busca os envolvidos
com o jogo.
Na tentativa de
proteger crianças e adolescentes nas redes sociais, o Safernet, entidade que
aborda a questão da privacidade e segurança na internet, abriu uma linha para
falar com os usuários sobre o Baleia Azul. Por meio de um post no Facebook, a
instituição se põe à disposição para responder e-mail por 24h, para conversar
em tempo real com os internautas e em oferecer atendimento psicológico a quem
precisar.
180 Graus