Terça-feira, 25 de abril de 2017
Naquela manhã de sábado, em dezembro
de 2012, João Paulo Mauler acordou com uma dor que nunca havia sentido.
Relembrando o episódio que mudaria sua vida, ele leva as mãos ao centro do
peito, como a "esmagar" algo.
"Era um aperto muito forte, uma
dor que foi se agravando. No hospital, o médico do plantão queria me liberar,
dizendo que era algo à toa, que ninguém na minha idade tinha 'essas
coisas'", recorda o estudante de 36 anos, de Juiz de Fora (MG).
João só fez todos os exames porque a
mãe insistiu com a equipe médica, citando o histórico de problemas cardíacos do
pai do estudante.
"Saí do exame e soube o que
acontecera comigo da pior forma possível. Estava no CTI e chegou um médico com
uma turma de alunos de Medicina. Ele viu a papelada na minha cama, disse 'esse
aí infartou' e saiu andando. Fiquei desesperado."
Ou seja, João, à época com 30 anos,
teve, sim, "essas coisas": um infarto, mesmo sem se enquadrar em
fatores de risco como tabagismo e pressão alta. Três artérias estavam
entupidas.
Passado o susto do diagnóstico, o
estudante fez uma cirurgia para desobstruir o coração e teve uma recuperação
tranquila. Mas algo tinha mudado.
Laudo da cirurgia de desobstrução
cardíaca de João Paulo Mauler; senso de urgência e interesse pela Medicina após
tratamento© Fornecido por BBC Laudo da cirurgia de desobstrução cardíaca de
João Paulo Mauler; senso de urgência e interesse pela Medicina após tratamento.
À época do infarto, João tinha
diploma de Comunicação Social e atuava em um cargo administrativo numa fundação
do Estado.
"Não estava infeliz, mas também
não estava realizado. Não tinha coragem de abandonar o trabalho e nem sabia o
que seguir. Mas fui sentindo um senso de urgência e de não esperar para
realizar meus sonhos e objetivos."
'Por que não?'
Ao final do tratamento, após ter lido
muito e questionado os médicos sobre cada etapa, ele confessou à irmã:
"Tenho a maior vontade de fazer Medicina".
E ouviu: "Por que não
faz?". Era o estímulo que precisava.
"Por um lado pensava que estava
velho para outra graduação, mas o que passei me dizia que devia sair da zona de
conforto. Não fiquei mais deixando a vida acontecer."
Dito e feito. Em 2013, João começou a
conciliar o trabalho com o pré-vestibular - decidiu que faria Medicina. E
passou em primeiro lugar para a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
"Nunca imaginei que ficaria em
primeiro. Acho que foi porque estava mais tranquilo. Ter passado pelo infarto
me tornou uma pessoa mais leve, menos estressada", avalia ele, que deverá
se formar em 2020.
'Ter passado pelo infarto me tornou
uma pessoa mais leve', diz estudante que mudou de carreira após ataque
cardíaco© Fornecido por BBC 'Ter passado pelo infarto me tornou uma pessoa mais
leve', diz estudante que mudou de carreira após ataque cardíaco
Visão crítica
O estudante diz que sua experiência
como paciente também pesou na decisão de ser médico.
"Fui influenciado pelos bons e
maus exemplos, dos médicos imprudentes que revelaram meu diagnóstico e fizeram
'vista grossa' (ao infarto) a profissionais impecáveis no tratamento",
afirma.
Hoje em dia, o universitário diz
defender um exercício mais sensível e humano da profissão.
"Já chamei a atenção de
professor que discute caso bem na frente do paciente. Sempre digo: 'Vamos lá
fora, para um canto'. Ainda há ainda muita negligência e frieza, de tratar o
paciente como uma estatística, um boneco."
Comum ou não?
O infarto é a principal causa de
mortes no Brasil, com cerca de 100 mil óbitos por ano, segundo a base de dados
do SUS (Sistema Único de Saúde).
Em jovens, a incidência é mais comum
do que se imagina, afirma Leopoldo Piegas, cardiologista do Hospital do Coração
(Hcor) de São Paulo.
Em 2014, segundo a base de dados do
SUS, 2.546 pessoas de 20 a 39 anos morreram de infarto no Brasil - 2,9% do total
de mortes por essa causa.
Como principais fatores de risco,
independentemente da idade, o cardiologista do Hcor cita hipertensão,
sedentarismo, histórico familiar, estresse, uso de drogas e tabagismo.
E, de fato, afirma Piegas, o infarto
em jovens adultos tende a ser mais agressivo.
"Quanto mais vive, mais a pessoa
desenvolve sua circulação lateral. Então se uma artéria de um idoso 'entope', o
sangue tem outras vias por onde circular, e o infarto tende a ser mais ameno ou
nem acontecer. Os jovens ainda não desenvolveram este tipo de circulação, por
isso os infartos tendem a ser mais agressivos e, muitas vezes, fatais."
Quando o foco são pessoas com menos
de 40 anos, há diferenças de risco entre homens e mulheres, diz o especialista.
"A mulher tem a proteção
hormonal do estrogênio, que confere certa proteção às coronárias, dificultando
entupimentos. Depois da menopausa, as chances são praticamente iguais de se
enquadrar em grupos de risco."
Precisão e rapidez
Quanto mais cedo e mais preciso for o
diagnóstico do infarto, maior a chance de sobrevida e recuperação, sobretudo em
jovens.
No caso do analista ambiental Fabiano
Augusto dos Santos, de 31 anos, que estava no trabalho quando uma dor forte no
ombro se espalhou ao braço esquerdo, a atuação da equipe hospitalar foi
fundamental.
"Uma checagem de pressão no
ambulatório da empresa não deu nada. No táxi para casa, piorei tanto que pedi
para ir ao pronto-socorro. Chegando lá nem ficava em pé. Logo um enfermeiro me
socorreu e fiz exames que apontaram obstrução", conta Fabiano, que tinha
28 anos na ocasião e vive em Botucatu (SP).
A estudante Olivia Lauar, de 34 anos,
de Belo Horizonte (MG), teve que insistir até obter um diagnóstico correto - e
o tratamento adequado.
Ela sofreu um infarto no ano passado,
e procurou um hospital após sentir cansaço extremo e dores muito intensas no
braço, cabeça, pescoço e peito.
"Já vinha sentindo tudo isso - e
negligenciando - havia mais de um ano, mas naquele dia foi muito forte. No
hospital, deram-me remédio para cefaleia. Voltei para casa e a dor ficou
insuportável", afirma.
"Joguei os sintomas no Google e
vi que poderia estar infartando. Voltei ao hospital e disse que só sairia após
todos os exames - e um eletrocardiograma indicou o infarto", diz ela, que
colocou um stent coronário e hoje toma cinco remédios para controle.
Mudança de hábitos
Para Suzanne Steinbaum, cardiologista
da Associação Americana do Coração, a principal maneira de evitar um infarto,
independentemente da idade, é mudando hábitos e estilo de vida.
"Em 80% de todos os casos, mesmo
com histórico familiar, é possível evitá-lo com atividades físicas, mudanças na
alimentação e controle do estresse. Fazendo isso, mesmo os fatores de risco são
controláveis", afirma.
No caso de Olivia Lauar, largar o
cigarro imediatamente foi a mudança mais significativa.
"Se pudesse voltar no tempo,
nunca teria começado a fumar. Passei por uma fase muito ruim, depressiva,
tranquei a faculdade, não saía de casa, tinha muito medo de infartar de novo.
Hoje estou muito melhor", diz.
Já Fabiano Augusto se transformou ao
cuidar mais da saúde mental.
"Eu era muito estressado,
impaciente e preocupado. Os médicos acreditam que isso tenha influenciado. Hoje
faço terapia e levo uma vida bem mais leve."
Além da futura nova profissão, João
Paulo Mauler levou da experiência um novo olhar sobre a vida.
"Talvez em outra época não
tivesse a serenidade de saber que a vida pode mudar do nada. Em um dia estava
malhando, em outro infartei. Apesar de isso ter me dado mais urgência em
realizar as coisas, também me deu maturidade, saber que uma prova ou um problema
não são o fim do mundo. E acho essa leveza essencial a um médico."
MSN