Sábado, 26 de agosto de 2017
Pacientes que passam pelo procedimento ganham um coração
artificial que não produz pulso, e precisam recarregar as baterias com um cabo
implantado na base do crânio
Milhares de pacientes
que precisam de um coração novo mas não conseguem um transplante estão morrendo
por não terem acesso a tecnologia de ponta, diz o cirurgião Stephen Westaby, da
Universidade de Oxford, em seu livro “Fragile Lives” (sem tradução em
português), onde conta os casos mais envolventes de sua carreira, marcada por
inovações no uso de corações artificiais.
Corações artificiais podem reduzir os sintomas e prolongar a
vida de pacientes com insuficiência cardíaca por anos, permitindo-lhes esperar
por um transplante em casa e até mesmo servir de solução permanente para os que
não se qualificam para receber um coração transplantado.
Porém, com modelos chegando a custar em torno de R$ 500 mil, o
acesso aos aparelhos é restrito até em sistemas de saúde pública de países
desenvolvidos. Westaby, que ainda investe na construção de novos modelos de
coração artificial, mostrou que humanos não precisam de batimentos para viver.
Pacientes que
passam pelo procedimento ganham um coração artificial que não produz pulso, e
precisam recarregar as baterias com um cabo implantado na base do crânio. Um
pequeno preço por mais tempo de vida com qualidade, argumenta o médico.
O livro fala sobre a
operação da bebê Kirsty, que tinha uma anomalia e estava prestes a morrer, até
que o sr. decidiu realizar um procedimento proposto pelo brasileiro Randas
Batista, usado em pacientes com doença de Chagas: remover parte do coração e
remodelar sua geometria.
Stephen Westaby
Tinha assistido à palestra de Batista numa conferência e decidi que era a única
coisa que ainda poderia tentar para salvar Kirsty. Ele foi criticado pelos
americanos porque eles tentaram aplicar a técnica a outras doenças e não
funcionou bem. Foi ótimo para Kirsty, ela está saudável hoje, 18 anos depois.
Por que o caso foi marcante?
– Anos
depois, uma ressonância magnética mostrou que o coração dela não mostrava sinais
dos ataques cardíacos que tinha sofrido. O caso nos ensinou que células-tronco
fetais poderiam remover cicatrizes [do músculo cardíaco]. Então começamos a
fabricar células-tronco para tratar adultos.
Realizamos um estudo clínico na Grécia e vimos resultados
parecidos. Foi um achado extraordinário. Se Kirsty tivesse morrido, não
teríamos descoberto essa possibilidade animadora de regeneração.
É possível combinar células-tronco e
coração artificial?
–
Fizemos isso [primeira fase de estudos clínicos] na Grécia. Colocamos um
coração artificial e células-tronco num paciente desesperadamente doente cinco
anos atrás e ele hoje vive uma vida normal e pratica caça esportiva.
Partindo de
um quadro de deficiência completa, temos agora uma alternativa ao transplante –e
há tão poucos transplantes de coração que, no Reino Unido, apenas em torno de
1% das pessoas que precisam de um o conseguem.
Estamos próximos de um tempo
em que ter um coração artificial será tão bom quanto um transplante de coração?
– Muitos centros de transplante alemães hoje recomendam corações
artificiais como primeira linha de tratamento e o transplante de coração se
houver problema com o dispositivo. As coisas estão mudando.
Eu tive alguns pacientes com corações artificiais aos quais foi
oferecido um transplante de coração depois de dois ou três anos que eles viviam
com seus dispositivos e eles recusaram, devido à perda da qualidade de vida.
Se você passa por um transplante de coração, as drogas
imunossupressoras que terá que tomar podem causar câncer e outros problemas.
Pelo caminho que tenho trilhado, deve-se tentar melhorar a condição do próprio
coração dos pacientes com células-tronco enquanto eles têm um dispositivo
implantado. Isso se eles puderem pagar, porque sistemas de saúde pública não poderão
pagar.
O sr. tem criticado o sistema de sistema de
saúde pública do Reino Unido por não pagar pelo uso de corações artificiais
para pacientes que não se qualificam a um transplante…
–
Acredito que cirurgiões [da rede pública] não deveriam ser obrigados a virar as
costas a pacientes arfando e que vão morrer desnecessariamente. Deveria um
sistema de saúde de primeiro mundo usar tecnologia moderna para prolongar a
vida ou deveria deixar jovens pacientes com insuficiência cardíaca morrerem
miseravelmente?
Acredita no princípio da saúde pública e
universal?
–
Acredito. Mas hoje no Reino Unido alguns tratamentos não podem ser custeados. E
não só corações artificiais caros, mas também remédios para hepatite C, para
alguns tipos de câncer… Nós não temos mais acesso ao que há de melhor. Nosso
sistema público de saúde foi criado em 1948, e a medicina era simples até
então. Agora é complexa e cara.
Tendo acabado de se aposentar como
cirurgião, como vê o futuro da cirurgia cardíaca?
– Hoje
as pessoas que fazem cirurgia cardíaca não inovam, não tentam mudar e fazer
melhor. Se você faz qualquer coisa nova, acaba arranjando um problema. A
medicina está se tornando defensiva.
Folhapress