Sábado, 09 de setembro de 2017
A partir do fim de 2019, o Brasil
terá um radiotelescópio erguido no meio do sertão da Paraíba. A estrutura com
dois espelhos e diâmetro de cerca de 40 metros é parte de um projeto internacional
que terá a maior parte de seus recursos bancada pela fundação de apoio a
ciência de São Paulo.
O Bingo (sigla para Observações de Gás Neutro das Oscilações
Acústicas Bariônicas, em inglês) tem como foco o estudo da energia escura,
que constitui 68% do Universo e sobre a qual muito pouco sabemos.
A energia escura tem por característica "anular" a
gravidade, e não é possível detectá-la diretamente --ela não se
manifesta na forma de partícula ou luz, pelo menos não da forma como
conhecemos.
Dada essa dificuldade, os cientistas precisam encontrar outras
formas de captar a energia escura, como a medição de oscilações acústicas
bariônicas. Essas oscilações podem ser utilizadas como uma "régua
fundamental do Universo", explica Élcio Abdalla, do Instituto de
Física da USP e coordenador do projeto.
O radiotelescópio será capaz de detectar ondas de rádio,
produzidas por uma emissão de hidrogênio neutro, na frequência de 1420 MHz.
Essas ondas permitirão mapear as oscilações de bárions, que carregam
informações sobre a interação entre fótons e bárions, congeladas depois do
desacoplamento da matéria com a radiação. Os pesquisadores pretendem medir a
frequência específica da radiação eletromagnética do hidrogênio quando o
Universo era "jovem", há bilhões de anos.
Essas informações devem ajudar a entender a energia escura do
Universo de uma forma diferente do que é feito por outros telescópios, que
utilizam outras técnicas, afirma Carlos Alexandre Wuensche, pesquisador
titular da Divisão de Astrofísica do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais) e também coordenador do projeto.
Uma
joia no sertão
O radiotelescópio brasileiro será construído na serra do
Urubu, na região de Piancó (PB), cidade de apenas 16 mil habitantes
localizada a 225 km de Campina Grande e 337 km de João Pessoa.
De acordo com o projeto, o Bingo terá dois espelhos, de
cerca de 40 metros de diâmetro. Eles serão sustentados por uma estrutura
de metal de 80 toneladas. Outra estrutura, semelhante a esta, sustentará
50 caixas com cones de 4,7 m de altura por 1,8 m de diâmetro.
O projeto custará cerca de U$ 4,2 milhões (cerca de R$
13,1 milhões) --76% (R$ 10,1 milhões) virá do financiamento da Fapesp (Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). E já começou a ser executado com
a construção das peças. A obra no sertão está prevista para acabar em agosto de
2019.
No grupo que lidera a construção há cientistas do Inpe, da USP, e
da UFCG (Universidade Federal de Campina Grande), além de pesquisadores do
Reino Unido, da Suíça, do Uruguai e da China.
O radiotelescópio brasileiro deverá complementar as informações de
dois outros telescópios internacionais, um canadense, já em atividade, e um
chinês, ainda em construção.
O canadense Chime é composto por quatro equipamentos
de 100m de comprimento por 20m de largura, dispostos um ao lado do
outro. Segundo o pesquisador do Inpe, já está em funcionamento, mas sua
performance ainda apresenta uma série de problemas.
O telescópio canadense Chime também tem por
objetivo o estudo do Universo jovem
O radiotelescópio chinês
Tianlai, em obras, terá cerca de 2.000 unidades receptoras em uma área de 120
metros quadrados.
Wuensche destaca que o Bingo vai estudar o Universo em uma época
mais recente do que esses dois telescópios --a análise do Bingo vai
de "muitos milhões de anos após o Big Bang até dois bilhões de
anos". Uma época que, segundo o pesquisador do Inpe, a Via Láctea já
estava formada e a "matéria já estava aglutinada".
Do
Uruguai para o sertão da Paraíba
A princípio, o telescópio seria construído no norte do Uruguai.
Questões de financiamento e infraestrutura locais, no entanto, inviabilizaram a
escolha --o local deveria ficar longe de sinais de celular e de rádio, bem de
como rotas de avião.
"Nós tivemos alguns problemas na definição do sítio uruguaio
e começamos a procurar alternativas no Brasil", diz Abdalla.
"Avaliamos duas unidades regionais do INPE, em Santa Maria (RS) e
Cachoeira Paulista (SP), regiões próximas a Brasilia e noroeste da Bahia. No
fim, acabamos decidindo por um sítio na Paraíba. O ambiente é bastante livre de
poluição eletromagnética e geograficamente é muito adequado para a construção
do telescópio".
UOL