Terça-feira, 27 de fevereiro de 2018
Governo da China tenta pôr
fim ao que qualifica como 'atos obscenos' (Foto: Getty Images/ BBC)
A música ressoa por meio de alto-falantes
barulhentos e strippers dançam no ritmo, enquanto os demais participantes do
evento acompanham a melodia assobiando. Mas não estamos falando exatamente de
uma festa, e sim de cortejos fúnebres em alguns lugares da China.
No início deste ano, o governo do país reforçou sua
oposição a essa prática não só em funerais, mas também em casamentos e templos,
classificando-a como “obscena e vulgar”.
No entanto, ela persiste. E não é a primeira vez que se
tenta aboli-la.
Mas por que as
pessoas contratam strippers para funerais?
Uma das teorias indica que essas dançarinas são usadas
como isca para atrair um número maior de pessoas aos funerais, uma vez que a
presença de uma grande multidão é vista como uma forma de honrar o falecido.
Em alguns lugares, essa prática também está relacionada
ao “culto à reprodução”.
“Em algumas culturas locais, a dança com elementos
eróticos pode ser usada para transmitir os desejos do falecido de ser abençoado
com muitos filhos”, disse Huang Jianxing, professor da Universidade Fujian, ao
jornal estatal Global Times.
Outra hipótese sugere que a contratação de strippers pode
ser vista como uma demonstração de riqueza.
“As famílias das zonas rurais da China são mais propensas
a mostrar que têm dinheiro gastando o equivalente a várias vezes sua renda
anual contratando atores, cantores, comediantes e strippers para confortar os
parentes em luto e entretê-los”, disse o Global Times.
Prática recente
Ainda que seja próprio das áreas rurais da China, na
verdade é em Taiwan, onde teve suas origens, que esse fenômeno é muito mais
comum.
“A primeira vez que a prática de contratação de strippers
para funerais chamou amplamente a atenção da opinião pública foi em Taiwan, em
1980”, disse à BBC o antropólogo Marc Moskowitz, da Universidade da Carolina do
Sul, no EUA.
“Tornou-se muito comum em Taiwan, enquanto na China o
governo tem sido tão restritivo que muita gente nunca ouviu nem falar disso”,
disse ele.
Mas mesmo em Taiwan a prática não é muito frequente nas
grandes cidades.
“Por estar em uma área obscura entre a legalidade e a
ilegalidade, a presença de strippers é menos comum nos centros urbanos, embora
com frequência possa ser vista nas periferias de muitas cidades”, disse
Moskowitz.
No ano passado, houve um funeral em Taiwan em que 50
dançarinas de pole dancing faziam suas piruetas nos tetos de jipes na cidade de
Chiayi, no sul do país.
A “cerimônia” era para honrar um político local que, de
acordo com sua família, havia pedido “por meio de um sonho” para ter um funeral
colorido.
Combate
ostensivo
A perseguição das autoridades chinesas agora é apenas a
mais recente tentativa de pôr fim à prática.
Uma nova campanha do Ministério da Cultura será
direcionada particularmente as províncias de Henan, Anhui, Jiangsu e Hebei.
Como parte dela, o governo colocou em operação uma linha
telefônica para denúncias, por meio da qual espera que os cidadãos informem
qualquer “ação errada” cometida em um funeral em troca de uma recompensa
financeira.
É difícil saber se a prática desaparecerá completamente.
O que é claro é que o governo chinês não vai parar de persegui-la até lá.
O
Ministério da Cultura qualificou esse tipo de ação como “não civilizada” e
anunciou que qualquer um que contratar uma stripper para atrair pessoas a um
funeral será “duramente punido”.
“O governo da China se vê como uma figura paterna que
precisa guiar seus cidadãos. Eles estão preocupados com a exibição pública de
corpos nus e a influência que isso poderia ter na sociedade, especialmente
porque as crianças muitas vezes veem esses espetáculos”, disse Moskowitz,
advertindo que talvez não seja tão fácil eliminar essa prática.
“O fato de continuar a ser realizada, apesar de
perseguida pelas leis, demonstra o quão persistente ela é”, acrescenta.
Em 2006, os dirigentes de cinco empresas de strip-tease
na província oriental de Jiangsu foram presos após centenas de pessoas
participarem do funeral de um fazendeiro, no qual a prática foi realizada.
Em 2015, comunidades das províncias de Hebei e Jiangsu
alcançaram grande notoriedade nas redes sociais quando foi descoberto que
haviam convidado strippers para realizar “atos obscenos” nos funerais. O
governo, mais uma vez, puniu os organizadores e as dançarinas envolvidas.
G1