Quinta-feira, 19 de abril de 2018
Ingrid Rodrigues
é 1ª indígena do povo Paumari a ingressar em universidade. Estudante de direito
espera por bolsa para permanecer no curso.
Estudante de aldeia indígena no Amazonas Ingrid Rodrigues fez vaquinha online para viajar à Brasília (Foto: Marília Marques/G1)
Primeira indígena do povo Paumari – aldeia no
sul do Amazonas – a entrar em uma universidade, a estudante de direito Ingrid
Rodrigues, de 20 anos, tem sonhos ainda mais altos: ser a primeira indígena do
país a se tornar juíza.
Cursando o primeiro semestre na
Universidade de Brasília (UnB), a jovem contou com o apoio de uma vaquinha na
internet para juntar o dinheiro e, então, pegar dois voos do Norte do país até
Brasília. Não fosse a ajuda da rede de amigos, a opção seria encarar seis dias
de barco pelo rio Purus até Manaus e, de lá, mais três horas de viagem aérea
até a capital do país.
"Muitas pessoas ficaram impressionadas com minha
aprovação, mas foi bom porque despertou uma coisa no meu povo, de que é
possível sonhar e realizar, tanto que eu estou aqui."
Na primeira viagem para fora de Lábrea – cidade amazonense
com 38 mil habitantes –, e sem conhecer ninguém na região central do país,
Ingrid diz ter trazido na mala um misto de vontade, sonhos e incertezas. Parte
da aventura, ela contou ao G1 na semana marcada
pelo Dia do Índio (19).
"Minha meta é terminar o curso, mas não quero voltar para minha aldeia só como advogada. Quero algo com um peso maior, como uma juíza, vim com esse sonho."
Apesar do sucesso na primeira parte da jornada, a
estudante conta que, em apenas um mês de aulas, as dificuldades já apareceram.
Filha de um professor e de uma recepcionista, Ingrid diz ter dinheiro para se
manter na universidade até o fim deste mês.
Acolhida por uma outra estudante
indígena, ela aguarda o resultado de uma seleção para receber o auxílio-moradia
da UnB. A lista de convocados deve ser publicada na próxima terça-feira (24).
Ingrid Rodrigues, 20, posa ao lado da placa do centro de convivência indígena da UnB (Foto: Marília Marques/G1)
Uma paumari na UnB
A dificuldade
em se manter na universidade é apenas mais uma na jornada da jovem dedicada a
concluir o curso de direito. Para ela, se tornar juíza e voltar para aldeia
onde vivia é a meta principal.
"Desistir de tudo isso seria como fracassar, mas vou entrar para a história."
"Meu povo está muito feliz por ter a primeira
estudante indígena paumari na universidade. Até então éramos um povo
desconhecido, sem muitas referências", explica. "Os jovens agora
estão motivados a estudar e a começar a sonhar mais", afirma Ingrid.
Sobre ser uma estudante indígena na
UnB, Ingrid conta que, em apenas um mês, aprendeu a conviver com os olhares e
as perguntas curiosas dos colegas. Em meio à sala de estudos da Faculdade de
Direito, ela passaria como mais uma aluna que usa o próprio notebook, livros e
o celular para estudar. Os traços indígenas, conforme conta, chamam a atenção.
"Ser estudante indígena na UnB
é saber enfrentar os obstáculos, porque tem pessoas que olham com curiosidade
boa, mas tem aqueles, da sociedade não indígena, que idealizam o índio de uma
forma que ele não é", afirma. "Às vezes, é por falta de conhecimento
e uma certa ignorância em relação a nós".
"Acham que o indígena só vive em maloca e anda nu."
Estudante indígena, Ingrid Rodrigues cursa direito na UnB (Foto: Marília Marques/G1)
"Tem pessoas que veem o indígena somente da forma
que elas idealizam: que não tem internet e não é civilizado. Se o indígena sai
da sua aldeia, ele continua como indígena, tendo que se adaptar, mas continua
sendo", afirma.
Apesar dos olhares, a estudante
paumari conta que já se sente tranquila em ver outros alunos que também vieram
de aldeias para estudar na UnB. Neste semestre, 64 indígenas se matricularam na
instituição. No ano passado, a universidade contabilizava 167 alunos com essa
etnia.
"Isso dá uma tranquilidade, não me sinto tão estranha. Mas, na minha turma, como sou a única, a realidade volta, como se me sentisse sempre diferente."
Índio x tecnologia?
Como qualquer
jovem estudante que gosta e abusa das tecnologias, Ingrid faz cada vez mais uso
da internet e conteúdos online para estudar e "correr atrás" das
leituras – um acesso que não foi possível na época do colégio.
A aldeia Paumari, onde vivem cerca
de 5 mil indígenas, tem apenas escolas do ensino fundamental, do 1º ao 9º ano.
Para continuar os estudos, no ensino médio, o estudante indígena precisa se
descolar para cidades vizinhas como Lábrea, onde Ingrid morou nos últimos anos.
Motivada pela divulgação da cultura
do próprio povo, a estudante conta que usa a tecnologia a seu favor –
instrumentos que "só vieram para ampliar o conhecimento". É através
dela [internet], que o indígena pode mostrar sua cultura e sua dança".
"É algo natural, têm aldeias que têm até internet."
Por Marília Marques, G1 DF