Quinta-feira, 14 de junho de 2018
O juiz Sergio Moro impôs uma trava à atuação de órgãos de
controle e do governo federal, proibindo o uso de provas obtidas pela Operação
Lava Jato contra delatores e empresas que reconheceram crimes e passaram a
colaborar com os procuradores à frente das investigações.
A decisão de Moro, que conduz os processos do caso em Curitiba,
foi proferida no dia 2 de abril e atinge a AGU (Advocacia-Geral da União), a
CGU (Controladoria-Geral da União), o Cade (Conselho Administrativo de Defesa
Econômica), o Banco Central, a Receita Federal e o TCU (Tribunal de Contas da
União).
No despacho, que é sigiloso, o juiz altera nove decisões
anteriores em que autorizara o compartilhamento de provas da Lava Jato com
esses órgãos, que têm a atribuição de buscar reparação de danos causados aos
cofres públicos e aplicar multas e outras penalidades de caráter
administrativo.
Moro não só veda o uso das informações da Lava Jato em ações
contra colaboradores como submete à sua autorização o prosseguimento de medidas
que já tenham sido tomadas contra eles e que tenham entre os seus fundamentos
documentos enviados pelos procuradores.
Com a decisão, que atendeu a um pedido do Ministério Público
Federal, o juiz blinda delatores e empresas contra o cerco dos outros órgãos de
controle. Para os procuradores, a medida é necessária para evitar que a
insegurança jurídica criada pela falta de coordenação entre os vários órgãos de
controle desestimule novos colaboradores, prejudicando o combate à corrupção.
Em vários dos casos revistos pela decisão de Moro, as
informações compartilhadas pela Lava Jato foram obtidas antes que as empresas
afetadas e seus executivos colaborassem com as investigações.
Empreiteiras como Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Odebrecht
fecharam acordos bilionários com a Lava Jato para reconhecer crimes, fornecer
provas, pagar multas e reduzir penas na esfera criminal, mas os acordos não
garantem imunidade contra ações de outros órgãos na área cível.
A AGU, que defende o governo federal nos tribunais, cobra das
empreiteiras mais de R$ 40 bilhões por danos em contratos com a Petrobras.
Colaboradores que confessaram o recebimento de propina foram autuados pela
Receita Federal, que tem cobrado imposto sobre os ganhos ilícitos.
Com base em provas obtidas pela Lava Jato, o TCU bloqueou R$ 508
milhões em bens da Andrade Gutierrez para garantir o ressarcimento de danos
causados na construção da usina nuclear de Angra 3.
Como os acordos fechados com o Ministério Público só garantem
imunidade na área criminal, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Odebrecht
negociam desde o ano passado acordos de leniência com a AGU e a CGU, que ainda
não foram assinados e terão que ser submetidos ao aval do TCU.
A principal dificuldade nessas negociações é que as empreiteiras
não querem pagar mais do que já se comprometeram a desembolsar nos acertos com
o Ministério Público --as três maiores aceitaram pagar R$ 5,5 bilhões a título
de multa e reparação de danos.
Advogados das empresas e dos delatores defenderam publicamente a
tese agora aceita por Moro, de que os colaboradores devem ser blindados contra
ações na esfera cível.
"Apesar do compartilhamento de provas para a utilização na
esfera cível e administrativa ser imperativo, já que atende ao interesse
público, faz-se necessário proteger o colaborador ou a empresa leniente contra
sanções excessivas de outros órgãos públicos, sob pena de desestimular a
própria celebração desses acordos", escreveu o juiz.
Moro admite que não há jurisprudência sobre o tema no Brasil e
recorre ao direito americano para embasar sua opinião, argumentando que nos
Estados Unidos "é proibido o uso da prova colhida através da colaboração
premiada contra o colaborador em processos civis e criminais."
O despacho do juiz indica que ele foi além do que a legislação
americana permite. Moro proibiu o uso não só de provas fornecidas por
colaboradores, mas também de informações obtidas por outros meios, mas que
poderiam implicar os delatores.
Embora a decisão de Moro tenha sido assinada em abril, o
Ministério Público Federal só informou os órgãos afetados pela medida em maio.
Ainda não há uma avaliação segura sobre o impacto da ordem de Moro nas
investigações em andamento nesses órgãos.
Por FolhaPress