Sexta-feira, 07 de julho de 2019
Prefeita
propõe fechar vitrines do Bairro Vermelho onde exibem as mulheres ou as mudar
de lugar. Outra opção é correr as cortinas para evitar turistas
menores de idade
O Bairro Vermelho de Amsterdã, um dos
mais populares da cidade e onde mais de 600 prostitutas trabalham exibindo-se
nas famosas vitrines, mudará de aspecto. A prefeita, a ecologista Femke
Halsema, apresentou nesta quarta-feira um projeto para acabar com o turismo em
massa que congestiona o lugar, além de combater a prostituição ilegal
e o tráfico de pessoas. Halsema considera que a capital holandesa está pronta
para uma mudança de imagem que, se for aceita pelos cidadãos, prevê o
fechamento não apenas das cortinas das vitrines das prostitutas (para evitar os
grupos de curiosos), mas também dos bordéis da região — que seriam distribuídos
por outras zonas da cidade.
A prostituição foi regulamentada como trabalho na Holanda em 2000, e
a prefeita é pragmática. “[A atividade] foi legalizada porque achamos que é uma
oportunidade para que a mulher que a exerce seja independente. É um fato
histórico no centro urbano, mas é analisado de um ponto de vista moralizante ou
a partir de discussões muito polarizadas. É necessário conversar com todos e
chegar a um consenso, embora a decisão final caiba à Prefeitura. Eu incentivo o
debate”, declarou Halsema ao jornal local Het Parool.
Seus planos, que ganham
intensidade, são os seguintes: fechar as cortinas das vitrines para que as
prostitutas não sejam uma atração turística, embora elas possam também se
sentir desprotegidas — um aspecto que deve ser considerado; fechar uma
parte dos edifícios e suas janelas para abri-los em outras zonas da cidade, a fim
de que não seja necessário compensar os donos do imóvel (as mulheres alugam
esses pontos); ampliar o número de vitrines e bordéis no Bairro Vermelho, mas
mantendo as cortinas fechadas; ou fechar tudo no bairro e distribuir vitrines e
bordéis em Amsterdã ou talvez nos arredores. Todo um leque para que os cidadãos
opinem.
Segundo a prefeita, “devem ser assegurados os direitos das
prostitutas para que trabalhem de forma autônoma, mas no Bairro Vermelho elas
se transformaram em atração e as pessoas riem delas, insultam ou fazem fotos
sem autorização. Também é preciso combater o tráfico de pessoas, a fraude e a
lavagem de dinheiro, devolvendo a tranquilidade ao bairro.”
OS
DIFERENTES MODELOS DA EUROPA
Limbo jurídico
Espanha,
Itália. A prostituição na Espanha está num limbo jurídico, embora certos
regulamentos municipais a proíbam em algumas cidades.
Abolicionismo
Suécia, Noruega e
França. A Suécia aprovou uma lei em 1999 que punia a compra de serviços
sexuais. O país penaliza clientes e proxenetas com multas e até prisão.
Legalismo
Holanda, Alemanha,
Dinamarca. Na Holanda, a prostituição é regulamentada como um trabalho desde
2000. A lei obriga os donos de bordéis a pagarem impostos e a contribuição
previdenciária das prostitutas. Elas têm direito a seguro-desemprego e outros
benefícios.
No sindicato que reúne as trabalhadoras, Proud, o amplo projeto
não foi bem recebido. “Não empodera as mulheres de maneira alguma. Elas devem
tomar suas próprias decisões. É preciso deixá-las trabalhar por conta própria.
Todas sabem como ter acesso à polícia ou às instâncias adequadas se acontecer
alguma coisa. Não é preciso obrigá-las a pedir permissão para ter clientes em
casa com a desculpa do tráfico de pessoas”, afirma Foxxi Angel, porta-voz
sindical, que trabalha com esse nome. A lei holandesa considera a prostituta
uma trabalhadora autônoma, e cada Prefeitura decide se exige ou não uma licença
de trabalho. Para os bordéis, o documento é obrigatório.
O sindicato calcula que “das cerca de 600 trabalhadoras do
bairro, 50% são da Europa Central e Oriental; as demais, da América Latina.
São dados aproximados, pois há muito poucas holandesas autóctones”.
A proposta preferida pela associação seria uma mistura dos
planos publicados, mas sempre respeitando a independência das mulheres que
trabalham como acompanhantes ou em casa por conta própria, que rechaçam as
licenças. “Que deixem as janelas como estão e não vigiem as casas particulares
com a desculpa de que ali pode haver tráfico de pessoas. O problema é a massificação turística, mas a culpa disso é da
Prefeitura, não das mulheres. As trabalhadoras sempre estiveram aí. Os turistas
são atraídos pela cidade, que fez campanha durante anos para ser atrativa
porque isso traz muita renda. Que regulem [o turismo] melhor”, afirma Foxxi
Angel.
Vigilância Policial
Masten Stavast, arquiteto e dono da boate Agapi (“amor”, em
grego), que explora 27 janelas no Bairro Vermelho, diz que fechá-las ou
cobri-las com as cortinas é uma “besteira”. “No bairro há muito controle e
vigilância policial. Aqui não cabe o tráfico de pessoas. Não se engane: o
turista não vem a Amsterdã só para ver o Rijksmuseum (museu
nacional da Holanda). Essa é uma zona muito visitada, e os clientes das meninas
são os turistas. Pode haver congestionamento na noite de sexta o no sábado,
entre 22h e 23h, mas nada além disso. O problema é que, desde 2010, a
Prefeitura fechou as vitrines de forma sistemática com a desculpa de melhorar
as condições de vida das trabalhadoras e, de quebra, o ambiente local. Entre
120 e 150 vitrines desapareceram, e o que acontece é que alguns grupos de
moradores das ruas vizinhas reclamam muito e são ouvidos. Já nós, da comunidade
de empresas do lugar, não somos levados tão em conta pelos poderes locais”, diz
ele, pelo telefone.
Segundo informações do site da Agapi, o aluguel de um quarto
custa 100 euros (430 reais) por dia para uma profissional do sexo; de noite,
são 175 euros (753 reais). O turno manhã/tarde se estende até 20h. Já o da
noite começa às 20h e chega às 5h da madrugada. “Em ambos, há vigilância do
pessoal da boate para evitar clientes indesejáveis e maus-tratos. Em caso de
emergência, a trabalhadora pode ativar um alarme. Em situações extremas,
chamamos a polícia.”
Amsterdã “está pronta para pensar num Bairro Vermelho sem
prostituição, se for necessário”, quis deixar claro a prefeita. Para a próxima
semana, está previsto o primeiro encontro entre todos os interessados, ou seja,
prostitutas, moradores, donos de boates e vitrines e a própria Prefeitura, para
analisar os planos. Durante o verão, um mensageiro municipal se reunirá com
cada um representante para averiguar quais são as propostas preferidas: uma ou
duas, no máximo. Com base nessas sugestões, avaliadas e talvez retocadas,
deve-se tomar a decisão final.
El País