Quinta-feira, 11 de março de 2021
Lula tem sido aconselhado a vestir um
figurino de estadista mais sereno, fazendo a defesa institucional de aspectos
que considera positivos de seu governo.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) (Foto: Reprodução)
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) — Em
sua primeira entrevista após ter suas condenações anuladas e sido autorizado a
disputar eleições, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse ser
possível uma frente de esquerda para derrotar Jair Bolsonaro (sem partido) em
2022, mas que é preciso paciência para discuti-la e construi-la nos próximos
meses.
Lula falou sobre o tema ao enaltecer
seu vice de 2003 a 2010, o empresário José Alencar. O petista também disse que
ainda é cedo para pensar em candidatura própria do PT ou dos demais partidos de
esquerda. "Vai ser bem pra frente que a gente vai discutir."
O ex-presidente lembrou que o PT
polariza nas eleições desde 1989, citando as disputas seguintes, e que isso
deve ocorrer novamente em 2022 entre esquerda e direita — citando o presidente
Bolsonaro.
Questionado, Lula respondeu às recentes
críticas de seu ex-ministro Ciro Gomes (PDT), também pré-candidato ao Planalto.
Segundo o petista, "Ciro precisa se reeducar e aprender a respeitar as
pessoas".
O ex-presidente ainda se disse chateado
com a declaração do apresentador Luciano Huck, segundo o qual o petista será
uma figurinha carimbada nas eleições de 2022.
Ainda na entrevista, voltou a atacar a
Lava Jato e o ex-juiz Sergio Moro, responsáveis por suas condenações que o
deixaram 580 dias na prisão entre abril de 2018 e novembro de 2019.
Lula disse que não pode levar a sério
as manifestações recentes de clubes militares, mas admitiu sua preocupação com
a postagem do general Eduardo Villas Bôas, em 2018, para pressionar o STF
(Supremo Tribunal Federal) a mantê-lo preso. "Não é correto um comandante
do Exército ter feito isso".
Em recente livro, o general da reserva
disse que a publicação de um tuíte em 2018 para pressionar a corte um dia antes
do julgamento que levou à prisão do ex-presidente Lula (PT) foi elaborada por
ele junto com "integrantes do Alto-Comando" das Forças Armadas.
Lula acabou tendo o pedido negado pelo
plenário do Supremo e, no dia 7 de abril, foi preso e levado para Curitiba.
Deixou a cadeia 580 dias depois, após o STF derrubar a regra que permitia
prisão a partir da condenação em segunda instância.
Sobre as reações do mercado à sua
candidatura, chamou isso de especulações, já que pretende priorizar o
investimento produtivo e a geração de emprego, caso seja eleito presidente em
2022.
Na última segunda-feira, o ministro
Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou a anulação de todas
as condenações proferidas contra o ex-presidente Lula pela 13ª Vara Federal da
Justiça Federal de Curitiba, responsável pela Lava Jato.
Lula, 75, tinha sido condenado em duas
ações penais, por corrupção e lavagem de dinheiro, nos casos do tríplex de
Guarujá (SP) e do sítio de Atibaia (SP).
O ministro do STF entendeu que as
decisões não poderiam ter sido tomadas pela vara responsável pela operação e
determinou que os casos sejam reiniciados pela Justiça Federal do Distrito Federal.
Assim, as condenações que retiravam os
direitos políticos de Lula não têm mais efeito e ele pode se candidatar nas
próximas eleições, em 2022. Lula estava enquadrado na Lei da Ficha Limpa, já
que ambas as condenações pela Lava Jato haviam sido confirmadas em segunda
instância.
A PGR (Procuradoria-Geral da República)
já decidiu recorrer contra o habeas corpus de Fachin. A informação foi
confirmada por assessores do procurador-geral Augusto Aras.
Lula foi solto em novembro de 2019,
após 580 dias preso na Polícia Federal em Curitiba, beneficiado por um novo
entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) segundo o qual a prisão de
condenados somente deve ocorrer após o fim de todos os recursos.
Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo
nesta quarta-feira, candidato ou não a presidente em 2022, Lula começa sua
jornada à eleição no ano que vem buscando fugir do que o PT vê como uma
armadilha: ser considerado pelo eleitorado um polo tão extremo quanto Jair
Bolsonaro (sem partido).
O tema tem sido discutido por aliados
do líder petista desde que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal
Federal, restaurou seus direitos políticos ao anular condenações da Operação
Lava Jato.
Há um consenso de que a polarização com
Bolsonaro tem de ser modulada pelo óbvio: não alienar nem o eleitorado que
abraçou o antipetismo de 2016 para cá, mas que antes apoiou Lula, nem os
agentes financeiros.
Isso não significa, contudo, uma
reedição da famosa Carta ao Povo Brasileiro, documento de 2002 em que Lula
beijava a cruz do mercado prometendo manter a política liberal do governo
Fernando Henrique Cardoso (PSDB, 1995-2002).
Deu certo, e o namoro entre mercado e
governo do PT só começou a sofrer abalos reais a partir das gestões de Dilma
Rousseff (2011-16), que amplificou políticas instituídas nos dois anos finais
das administrações de Lula.
Agora, contudo, petistas de alto
escalão avaliam ser dispensável um compromisso — ao contrário, basta se colocar
retoricamente como uma alternativa racional, urbana, à turbulenta gestão de
Bolsonaro.
A primeira reação dos mercados à
liberação de Lula foi negativa, com um misto de repetição do temor que o PT
provocava nos anos de crise de Dilma com a expectativa de que Bolsonaro
inclinará seu governo para uma gestão mais populista e autoritária prevendo o
embate com o petista.
Lula tem sido aconselhado a vestir um
figurino de estadista mais sereno, fazendo a defesa institucional de aspectos
que considera positivos de seu governo.
Sua proverbial agressividade de
palanque ficaria, se o cenário se confirmar, para itens incontestáveis de
crítica a Bolsonaro -como seu manejo da pandemia, que já tem mais de 260 mil
mortos no país.
Por: Joelmir Tavares/Folhapress