Sexta-feira, 10 de dezembro de 2021
Após a notícia vir à tona, os deputados do PSB, Felipe Rigoni, Tabata
Amaral e Alessandro Molon acionaram o TCU e protocolaram uma representação.
O TCU informou que "está realizando a fiscalização sobre a contratação emergencial da empresa” (Foto: Reprodução)
O Tribunal de Contas da União (TCU) abriu procedimento para investigar o
contrato firmado pela Secretaria Especial da Cultura com uma empresa da
Paraíba, a Construtora Imperial, que não tem funcionários e usa como sede um
endereço de caixa postal. Sem licitação, a construtora foi contratada pelo
secretário Mário Frias por R$ 3,6 milhões para executar uma reforma no Centro
Técnico Audiovisual (CTAv), localizado no Rio de Janeiro.
O TCU informou que "está realizando a fiscalização sobre a
contratação emergencial da empresa”. “O processo está em análise pela área
técnica e será posteriormente enviado ao relator, que levará sua proposta para
apreciação do Plenário”, afirmou a corte, em nota. O caso foi revelado pelo
Globo na última semana.
Após a notícia vir
à tona, os deputados do PSB, Felipe Rigoni, Tabata Amaral e Alessandro Molon
acionaram o TCU e protocolaram uma representação, que deu origem à investigação.
“Não se pode admitir a contratação de empresa sem qualquer experiência no ramo
e sem referências objetivas que resguardem a prestação adequada do serviço de
conservação e manutenção do Centro Técnico Audiovisual (CTAv). O edifício
possui importante acervo do cinema nacional e já foi constatado o eminente
risco de incêndio e desabamento de sua estrutura”, diz trecho da representação.
Aberta em maio de 2019, a Construtora
Imperial, registrada na Paraíba, deverá prestar serviços de conservação do
CTAv, um edifício da União onde estão armazenadas relíquias do cinema nacional,
em Benfica, na zona norte do Rio. Conforme mostrou O GLOBO, a empreiteira
pertence a Danielle Nunes de Araújo. No início do ano passado, ele se inscreveu
no programa de auxílio emergencial do governo e recebeu o benefício por oito
meses seguidos.
A reportagem foi publicada em 3 de dezembro.
No mesmo dia, a secretaria da Cultura publicou uma nota nas redes sociais,
compartilhada pelo próprio Frias, alegando que o contrato foi firmado de forma
regular e que a empresa atendeu a todos os critérios técnicos exigidos para
prestar os serviços.
Ao longo das duas últimas semanas, porém, O
GLOBO tem buscado, junto ao órgão, acesso a documentos que detalham a
contratação. A secretaria, porém, tem mantido em sigilo o detalhamento do
processo de contratação. O contrato não foi publicado, tampouco qualquer
informação sobre a dispensa de licitação no Portal da Transparência do governo
Federal. A secretaria não explica por que o secretário Mario Frias, apesar de
dizer em nota que não foi o responsável pela contratação, foi quem assinou a
portaria de dispensa de licitação, publicada em Diário Oficial da União.
Risco
de incêndio e desabamento
Em agosto, um estudo técnico encomendado pelo
próprio CTAv apontou risco de incêndio e desabamento de parte da estrutura. Num
dos trechos, o documento ressalta que há “desaprumo de telhas na fachada
frontal”, que pode cair a qualquer momento. Funcionários chegaram a contar que
havia ratos no teto do edifício.
Em novembro, Mario Frias assinou a contratação
da Construtora Imperial. A empresa, localizada em João Pessoa, tem como
endereço um escritório virtual especializado em fazer “gestão de
correspondências” para dezenas de firmas. Por telefone, Danielle Nunes de
Araújo confirmou que costuma realizar reuniões no local para tratar de
contratos. No entanto, o dono do espaço que a empresa declara como sede, Alcir
Lima, diz que não se lembra de ter recebido presencialmente a dona ou qualquer
funcionário da Imperial.
Além disso, construtora jamais prestou
serviços ao governo federal. A empresa não tem um site ou qualquer meio
eletrônico que detalhe sua atividade. Entre parentes e pessoas próximas,
Danielle não é conhecida como empresária do ramo da construção, mas como dona
de casa de perfil discreto. No início do ano passado, ela se inscreveu no
programa de auxílio emergencial e recebeu o benefício por oito meses seguidos —
R$ 3,9 mil no total.
Ao ser questionada pelo Globo, Danielle não
soube dar detalhes dos serviços para o qual foi contratada. Disse apenas que
era para "demolir e reconstruir um prédio lá no Rio". O edital de
contratação da Secretaria Especial de Cultura, no entanto, não trata de
qualquer "demolição" do prédio. O documento destaca que os recursos
empenhados na obra servirão para a realização de “serviços técnicos
especializados na área de engenharia para manutenção preventiva, corretiva,
conservação predial e arquitetônica”.
TCU
Além de investigação do contrato por dispensa
de licitação, os parlamentares responsáveis pela representação ao TCU pedem que
a Corte determine, por meio de uma medida cautelar, que o secretário Especial
de Cultura suspenda o contrato celebrado com a Construtora Imperial. “ Os fatos
narrados traduzem grave situação em que manobras administrativas colocam em
risco o acervo cultural brasileiro, podendo gerar prejuízo relevante ao erário
público e enriquecimento ilícito de agentes públicos e privados”, diz outro
trecho da representação.
Ainda no TCU, tramita um segundo pedido de investigação
do mesmo contrato, feito pelo deputado David Miranda, do PSOL do Rio de
Janeiro. Segundo a assessoria do TCU, essa segunda representação foi recebida
pelo Tribunal no dia 6 de dezembro e encontra-se em análise.
O CTAv
Criado em 1985 a partir de uma parceria entre
a antiga Embrafilme e o National Film Board, do Canadá, o CTAv é responsável
por um acervo com mais de seis mil títulos. O órgão também fornece apoio à
produção cinematográfica nacional por meio de empréstimos de equipamentos e
estúdios, a custo zero. Nomes como os cineastas Sérgio Sanz (1941-2019) e
Gustavo Dahl (1938 - 2011) já passaram pela direção da instituição.
Os bens históricos incluem 15 mil latas de
filme, 20 mil negativos fotográficos e cerca de 1,5 mil cartazes. Entre as
relíquias, há parte da coleção do diretor pioneiro Humberto Mauro (1897-1993) e
películas originais de “Limite” (1931), obra-prima de Mário Peixoto, e “O que
foi o carnaval de 1920” (1920), de Alberto Botelho.
Por: ClickPB com o Globo