Domingo, 10 de Maio de 2015
Andi, de 30 anos,
chegou com o marido a SP este mês, fugindo da guerra.
Casal diz desconhecer motivo do ataque, que ocorreu em janeiro.
A síria Andi, de 30 anos, veio ao Brasil com o marido após ser atacada com ácido em sua cidade natal (Foto: Gabriel Chaim/G1)
Era um domingo, dia útil na Síria, e Andi, de 30
anos, preparava-se para seguir sua rotina habitual. Funcionária pública formada
em administração, ela saiu para trabalhar às 8h30 do dia 12 de janeiro.
Despediu-se do marido, que era representante de uma empresa farmacêutica e
estava de malas prontas para uma viagem de trabalho. Apesar de cada vez mais
próxima, a guerra civil que atinge o país há três anos ainda
não havia chegado à pequena cidade onde o casal morava, na região de Al-Hasaka,
no norte da Síria.
Quando Andi virou a esquina de sua rua, viu dois
homens de motocicleta, com o rosto coberto e um galão nas mãos. Percebeu que um
líquido foi jogado em seu corpo. Ela havia sido atacada com ácido, mas
inicialmente não sentiu dor. Só viu que sua roupa começou a soltar fumaça.
Correu, então, para a mercearia em frente e começou
a se lavar com água, até que foi levada para o posto médico mais próximo. Seus
olhos ardiam muito, e só quando já estava no carro percebeu as queimaduras,
especialmente entre os seios, nos braços e em uma das pernas. Como era inverno,
o casaco grosso ajudou a protegê-la de um estrago ainda maior, mas a agressão
deixou inúmeras cicatrizes pelo corpo.
Motivos
Traumatizados com o ataque, Andi e o marido fugiram da Síria e chegaram a São Paulo há cerca de 10 dias. Eles dizem que não entendem o que pode ter motivado a agressão.
Traumatizados com o ataque, Andi e o marido fugiram da Síria e chegaram a São Paulo há cerca de 10 dias. Eles dizem que não entendem o que pode ter motivado a agressão.
O casal conta que, inicialmente, pensou que poderia
se tratar de vingança de alguém que gostasse dela ou dele, já que eles haviam
se casado há menos de um mês quando tudo aconteceu. "Eu perguntava para
ele, ele perguntava para mim, mas não chegamos a nenhuma conclusão",
afirma a síria.
No início não
senti dor. Só vi que saía fumaça da minha roupa. Fui perceber as queimaduras no
carro, indo para o hospital"
Andi,
refugiada síria
Outra hipótese que o casal avalia é de que seja um
criminoso comum, já que o índice de violência tem aumentado na cidade onde eles
moravam. Muitos sírios afirmam que o governo do país mandou soltar presos
perigosos para liberar espaço nas cadeias aos opositores e para semear o caos
em algumas regiões. Andi e o marido acreditam, portanto, que pode se tratar de
um caso como esse. "Pode ser pura maldade mesmo", dizem.
Questionada
se poderia se tratar de um crime de ódio pelo fato de ela ser muçulmana e não
usar véu – o que é opcional na Síria --, Andi diz prontamente que não acredita
nessa possibilidade.
Grávida
A refugiada síria agora está grávida de 3 meses. Ela contou sua história ao G1 em uma sala da Mesquita de Guarulhos, seu ponto de referência desde que chegou a São Paulo. Atendendo a seu pedido, a reportagem não vai citar seu sobrenome, o nome do marido nem o de sua cidade.
A refugiada síria agora está grávida de 3 meses. Ela contou sua história ao G1 em uma sala da Mesquita de Guarulhos, seu ponto de referência desde que chegou a São Paulo. Atendendo a seu pedido, a reportagem não vai citar seu sobrenome, o nome do marido nem o de sua cidade.
Após ter
recebido atendimento básico onde vivia, Andi foi para Damasco, a capital da
Síria, para buscar um tratamento mais especializado.
O marido
dela mostra, durante a conversa, uma foto em seu celular tirada no hospital de
Damasco. Uma semana depois da agressão, o rosto da mulher ainda estava tão
inchado e vermelho que ela parecia outra pessoa. Mal se viam os olhos, que Andi
não conseguiu abrir por vários dias. Depois de alguns segundos, ela fez um
gesto com a mão para que o marido virasse o celular para o outro lado.
Chegada ao Brasil
Andi e o marido se conhecem desde
pequenos, pois suas famílias eram vizinhas. Quando decidiu sair da Síria, o
casal devolveu a casa alugada que ainda estava sendo mobiliada e foi para o
Líbano. As mães de ambos ficaram no país.
Do
Líbano, eles foram para a Turquia e tentaram chegar à Alemanha, onde moram os
irmãos de Andi. Lá, ela poderia obter um bom tratamento médico, mas o casal não
conseguiu visto.
Foi
quando os dois ficaram sabendo da comunidade árabe que tem ajudado alguns
refugiados sírios que chegam ao Brasil. "Disseram que Andi poderia ter um
bom tratamento médico aqui", diz o marido.
Eles
agora dividem um apartamento com mais duas famílias perto da Mesquita de
Guarulhos. O marido procura emprego, e a mulher já foi levada à primeira
consulta do pré-natal. No entanto, a síria ainda não foi a nenhum médico que
pudesse tratá-la das queimaduras.
O
comerciante libanês Hussein El Khatib, que está no Brasil há mais de 20 anos e
participou da entrevista como tradutor, afirmou que alguém da comunidade deve
levar a mulher até algum especialista, mas isso ainda não ocorreu porque há
muitas pessoas aguardando para serem atendidas na mesquita.
Andi
ainda sente dor por causa do ataque com ácido, e diz que a pomada que trouxe da
Síria não está fazendo efeito no Brasil – segundo ela, isso ocorre por causa do
clima quente daqui, que gera mais desconforto.
Vaidosa,
ela conta que fica especialmente triste quando compara sua imagem atual com
suas fotos antigas: "Quando meu marido está perto, eu choro por dentro.
Quando ele não está, eu choro alto. Chorei tanto que acho que não tenho mais lágrimas".
Flávia MantovaniDo G1, em São Paulo