Segunda-feira, 06 de Julho de 2015
Estudo da Universidade Federal Fluminense
(UFF) chega num momento em que se discute a legalização das drogas no país
Teste. Pesquisadora prepara uma nota de R$ 5 para análise: cédulas de menor valor têm maior concentração da droga - Custódio Coimbra / custodio coimbra
RIO
- Seja nas mãos, no bolso ou na carteira, é quase impossível encontrar no
estado alguém com dinheiro sem presença de cocaína. Uma pesquisa da
Universidade Federal Fluminense (UFF) revelou que cerca de 90% das notas de
real em circulação apresentam traços da droga. São pequenas quantidades, mas em
frequência tão ampla que evidencia a disseminação da cocaína no Rio e em outros
dez municípios.
O
estudo, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de
Janeiro (Faperj), chega num momento em que se discute a legalização das drogas
no país.
—
É virtualmente impossível não pegar notas com a droga. Elas estão distribuídas
por toda a parte — explica o pesquisador Wagner Pacheco, do Departamento de
Química Analítica da UFF.
Em
parceria com o químico Ricardo Cassella, Pacheco orientou uma tese de doutorado
sobre o assunto elaborada pela pesquisadora Vanessa Gomes Kelly Almeida. A
ideia era fazer no Brasil um tipo de estudo já realizado na Europa e nos
Estados Unidos. Para isso, foi composto, por meio da análise da frequência da
cocaína nas cédulas, um painel de sua disseminação. A pesquisa revelou que a
contaminação das notas de real segue o mesmo padrão de distribuição observado
em euros e dólares.
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Esse é o cenário atual dos grandes centros do mundo — afirma Cassella.
Explicação:
uso como canudo
Para
os químicos, o fato de traços de cocaína serem tão comuns tem três motivos. O
primeiro é o número considerável de usuários e traficantes que enrolam as notas
para usá-las como canudos na hora de aspirar a droga.
Em
segundo lugar, o papel-moeda apresenta porosidade e se mantém úmido, o que
facilita sua impregnação pela cocaína, que é um pó finíssimo. O terceiro motivo
é a intensa circulação do dinheiro e a mistura de notas nas máquinas de saque e
nos bancos. Uma única cédula pode contaminar muitas outras, explica Pacheco. Os
cientistas investigaram também se havia variação geográfica. Queriam saber se
áreas onde há mais tráfico ou consumo teriam concentração maiores.
—
As notas são tão misturadas que essa variação não existe. É a mesma coisa em
toda parte — salienta Cassella.
Vanessa
observa que a cocaína aparece em quantidades ínfimas, só detectáveis em
análises muito específicas. A concentração média por nota é de 50 a 300
microgramas. A nota com maior concentração, oriunda da Vila Mimosa, tinha 885
microgramas.
—
Porém, a distribuição é tão ampla que uma nota de Paraty tinha 774 microgramas
— diz a pesquisadora.
Em
uma parte do estudo, foram medidas três amostras cedidas pela polícia de notas
encontradas em sacos com drogas. Essas tinham concentração 30 vezes maior. E,
de acordo com Vanessa, as cédulas de valor mais baixo contêm mais cocaína —
isso acontece porque circulam mais.
—
Analisamos 138 notas de lugares aleatórios, o que torna a amostragem bem
representativa do estado. Trabalhamos com lugares como Aeroporto Internacional
Galeão-Tom Jobim, o Morro da Mangueira, Petrópolis e Maricá — informa Vanessa.
Cassella
destaca que os traços de cocaína são um forte indicador da disseminação da
droga, mas não representam qualquer risco à saúde:
—
São traços insignificantes para fazer qualquer diferença a uma pessoa. Para se
ter ideia, um micrograma é um milhão de vezes menor que um grama.
O
próximo passo da equipe da UFF é construir uma espécie de assinatura química da
droga no Rio de Janeiro. Estudos de outros grupos já indicaram que a composição
muda de um estado para outro em função das substâncias misturadas à cocaína
pura, como o paracetamol e a lidocaína.
Como é feito o teste
Para
extrair a cocaína das notas de real é preciso lavar dinheiro — no sentido
literal. O primeiro passo é limpar bem a cédula e tirar todas as substâncias
visíveis impregnadas nela. Em seguida, a nota é colocada num tubo de vidro com
um líquido e fica uma noite ‘‘lavando’’. Depois, é colocada para secar e
aproveitada normalmente.
— As notas ficam limpíssimas — brinca a pesquisadora Vanessa Gomes
Kelly Almeida.
Já
o líquido absorve todas as substâncias que ainda estavam presas à cédula. Em
linhas gerais, o passo seguinte consiste na identificação das matérias
presentes. Isso é feito com um equipamento chamado cromatógrafo.
O
equipamento consegue separar todas as substâncias e estipular a concentração de
cada uma delas. Assim, identifica e mede a quantidade de cocaína.
O Globo POR ANA
LUCIA AZEVEDO

