Domingo, 01 de Novembro de 2015
Os delatores do
esquema de corrupção na Petrobras e parte das empresas envolvidas já
devolveram, através de acordos, o equivalente a um terço dos R$ 7,2 bilhões que
comprovadamente foram desviados para pagamentos de propina a políticos e
dirigentes da estatal. Em 33 delações premiadas e três acordos de leniência,
foram devolvidos R$ 2,4 bilhões. O levantamento, feito pelo GLOBO nas 31 ações
que correm na Justiça, mostra que o valor obtido por meio de acordos de delação
e de leniência, e ainda a título de multa, daria para pagar 31,2 milhões de
benefícios do Bolsa Família (pelo valor mais baixo pago aos beneficiários).
Juntas, as três
empresas que já assinaram acordos de leniência — Setal, Camargo Corrêa e a
holandesa SBM — devolveram R$ 1,64 bilhão, mais da metade do valor recuperado
pela Justiça. Entre os delatores, quem mais devolveu dinheiro até agora foi o
ex-gerente da estatal Pedro Barusco, que sozinho entregou US$ 97 milhões, o que
corresponde a R$ 381,1 milhões pela cotação do dólar da última quinta-feira. A
segunda maior quantia foi devolvida pelo ex-diretor de Abastecimento da
Petrobras Paulo Roberto Costa: o equivalente a R$ 101,3 milhões.
Esse dinheiro
devolvido fica, inicialmente, à disposição da Justiça. O juiz Sérgio Moro tem
determinado que todo o dinheiro confiscado retorne aos cofres dos órgãos
lesados. No caso da Petrobras, já foram feitas duas devoluções, que somam R$
296 milhões. Esses valores estavam em contas de Costa e Barusco no exterior.
— O Ministério
Público abriu mão de algumas condenações em troca de muito mais — diz o
procurador da República Deltan Dallagnol, um dos porta-vozes da força-tarefa da
Operação Lava-Jato e defensor das delações.
Na semana passada, em
entrevista ao “Programa do Jô”, Dallagnol disse que o caso Lava-Jato quebrou
todos os recordes de devolução de recursos para o país:
— Para se ter ideia,
antes do caso Lava-Jato, tudo que foi recuperado no país e entrou nos cofres
públicos, em todos os outros casos (de corrupção) juntos, somam menos de R$ 45
milhões.
R$
1,1 BILHÃO AINDA ESTÁ BLOQUEADO
Dados da Secretaria
de Cooperação Internacional do Ministério Público mostram que a Lava-Jato
bloqueou no exterior, até 23 de outubro, US$ 433 milhões (R$ 1,7 bilhão) em
dinheiro supostamente desviado da Petrobras ou de outros órgãos públicos. Até o
momento, US$ 129 milhões (R$ 506,8 milhões) foram repatriados. O restante, o equivalente
a R$ 1,1 bilhão segue bloqueado em bancos de Suíça, Luxemburgo e Mônaco, à
espera de decisão judicial.
Como Barusco e Costa
fizeram delação, o dinheiro voltou mais rapidamente. No caso do ex-diretor de
Serviços da Petrobras Renato Duque, que não fez acordo, foram bloqueados o
equivalente a R$ 90 milhões. Desse valor, voltou ao Brasil apenas a metade. O
restante permanece bloqueado lá fora, à espera de novas investigações e
decisões judiciais.
Os números podem aumentar. Pelo menos dez réus envolvidos no esquema,
além de construtoras, ainda negociam algum tipo de acordo com o Ministério
Público Federal (MPF). Além disso, pelo menos 30 empresas flagradas no esquema
de corrupção da Petrobras negociam com a Controladoria Geral da União (CGU) e o
MPF um acordo de leniência — negociação que uma empresa faz com órgãos de
controle admitindo práticas ilícitas em troca de continuar prestando serviços
ao poder público. O acordo envolve o compromisso de adotar sistema de compliance e pagar indenizações pelos danos
causados.
Estimativas da
Lava-Jato apontam que o rombo nos cofres públicos pode ultrapassar os R$ 15
bilhões. Mais de 700 casos seguem em investigação, com procedimentos
instaurados. Metade das 16 empreiteiras acusadas de participar do cartel na
Petrobras também segue na condição de investigada, sem denúncia formalizada à
Justiça.
Além da Petrobras, a
Lava-Jato flagrou, por exemplo, pagamento de propina em contratos de
publicidade da Caixa Econômica Federal e do Ministério da Saúde, e em contratos
da Eletronuclear para a construção de Angra 3. Também foi identificada propina
paga num acordo firmado pelo Ministério do Planejamento, que envolveu a cessão
de uso do banco de dados cadastrais de mais de 7,5 milhões de servidores federais.
UM
EM CADA QUATRO RÉUS VIRA DELATOR
Em um ano e sete
meses de investigação, um em cada quatro réus virou delator na Lava-Jato. No
total, 120 pessoas foram denunciadas e 41, condenadas. Demonizado por alguns
juristas, o instrumento da delação premiada instiga o debate entre defensores
de réus da operação. Técio Lins e Silva, advogado da Odebrecht, afirma que a
prisão preventiva se tornou uma espécie de tortura, um “pau de arara
pós-moderno” para convencer investigados a colaborar com as investigações.
— O acusado não pode
abrir mão do seu direito de mentir. Isso não é uma conquista da legislação
brasileira. Isso é uma conquista da sociedade ocidental, fruto da Revolução
Francesa — afirma Lins e Silva. — As bases legais violam causa pétreas da
Constituição. O acusado não pode abrir mão do direito de defesa. O acusado não
pode ser obrigado, para ter um benefício, a abrir mão do direito ao silêncio.
O criminalista Fábio
Tofic Simantob diz que há uma “banalização do instituto da delação”:
— É quase como pegar
empréstimo a juros altos. As vantagens imediatas parecem tão grandes que você
não sabe exatamente com o que está se comprometendo no futuro.
O questionamento às
delações virou moeda política. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ),
denunciado na Lava-Jato, chegou a afirmar que o vazamento de informações seria
manobra do governo para desestabilizá-lo. No último dia 23, em Salvador, o
ex-presidente Lula disse que o Brasil vive “quase um Estado de exceção” com as
delações.
Mesmo os críticos da delação, no entanto, dizem que ela veio para ficar.
O criminalista Alberto Toron, primeiro a derrubar no Supremo Tribunal Federal a
prisão preventiva de um empreiteiro (Ricardo Pessoa, da UTC), ressaltou que os
acordos não representam a impunidade dos delatores. Lembrou que a maioria deles
cumpre regime restritivo de liberdade, com tornozeleira eletrônica, e pagou
altas multas.
Toron compara as
críticas às delações da Lava-Jato com o descontentamento gerado na Colômbia
pelo acordo feito entre autoridades e as Forças Armadas Revolucionárias
(Farcs):
— A Lava-Jato é um
pouco assim. Em troca de melhorias na administração pública, você terá um novo
patamar de punição que não é na cadeia. A gente vai ter que conviver com isso
daqui para frente.
O Globo