Terça-feira, 29 de Março de 2016.
A aparência frágil do consultor motivacional Alexandre Ferreira
Abade, que por ter “ossos de vidro” vive sobre uma cadeira de rodas motorizada
e tem mobilidade mínima nos braços e pernas, esconde uma personalidade agitada
e persistente: o brasiliense tem duas graduações, uma pós, vários cursos
profissionalizantes e uma agenda cheia de palestras a dar. O primeiro contato
com letras e números só pôde ocorrer aos 17 anos, depois de ele superar a baixa
expectativa de vida dada pelos médicos por causa das mais de 300 fraturas
sofridas na infância e adolescência. Duas décadas depois, o homem segue
recusando a imagem de “vítima” e se prepara para lançar o segundo livro sobre
sua trajetória.
O diagnóstico de
osteogênese imperfeita só veio aos 2 anos. “Tinha duas fraturas [nas pernas,
desde o nascimento], mas os médicos não sabiam, só souberam em uma consulta que
tive e o médico notou uma pequena diferença entre uma perna e outra e assim
foram investigar a causa. Qualquer tipo de movimento [provocava fratura]. Eu
não poderia sair para outros lugares de ônibus ou carro, pois os movimentos já
ocasionavam fraturas, meus ossos eram muito frágeis, se quebravam facilmente,
eram como vidro”, lembra.
A família tentou
lidar com a situação com naturalidade, mas acatou as recomendações dos
profissionais que passaram a acompanhar Abade. Ele nunca pôde experimentar
tentar andar, e os médicos achavam que ele viveria no máximo até o início da
adolescência. O consultor motivacional, que tem quatro irmãos, afirma nunca ter
questionado as razões de ser o único a ter as limitações.
“Segundo previsões
médicas eu viveria até os 12 anos de idade. Devido as minhas constantes
fraturas, eu corria o risco de quebrar a coluna e o medo dos médicos era esse.
Mas após os 12 anos, contrariando suas previsões e principalmente com a fé que
os meus pais tiveram, esse diagnóstico foi mudado, eu superei mais essa
previsão e fui vivendo dia após dia e cada vez mais, com a ajuda de Deus,
superando e vivenciando cada momento, acreditando que Deus me ajudaria até na
cura das minhas fraturas, como de fato aconteceu”, afirma. “Dos 17 anos até
hoje eu não tive mais nenhuma fratura e nenhum problema de saúde, sigo minha
vida normalmente.”
Prestes a completar
a maioridade, Abade decidiu experimentar o que já era parte da rotina de todo
mundo: estudos e trabalho. Ele foi matriculado no Centro de Ensino Especial de
Sobradinho e depois passou para uma escola regular. Colegas colocavam folhas de
carbono sob os papéis dos cadernos e assim lhe garantiam cópias das anotações.
As provas eram feitas em salas de uso individual, com a ajuda dos professores.
A dedicação do
consultor motivacional o ajudou inclusive a combater preconceitos. “Tinha
colega que não se aproximava de mim porque imaginava que eu era uma pessoa que
não poderia sair, me divertir, ou seja, que eu era uma pessoa que não teria
muita alegria para fazer amizade. Mas, com o passar do tempo, esses colegas me
viam em festas da escola, eventos, e então logo mudaram a forma de pensar e
viram que eu era capaz, que independente das minhas deficiências eu posso ter
uma vida normal, e foram aprendendo através de mim que outras pessoas com
deficiência são tão capazes quanto.”
Abade passou então a
dar palestras contando a própria história. Ele também fez diversos cursos
profissionalizantes e se formou em gestão em marketing e gestão em
administração de empresas. Depois, o homem fez pós-graduação em recursos
humanos. O consultor motivacional diz que os estudos o ajudaram a se
aperfeiçoar na área e a prosseguir com os projetos de palestras e educação
inclusiva.
Visto como exemplo
para colegas e professores, Abade percebeu como conseguia mudar os conceitos
dos outros sobre deficiência e escreveu o primeiro livro há quatro anos. Ele
trabalha atualmente em uma nova obra e conta com a ajuda da amiga Sarah Sena.
“O tema é um pouco
da minha história, das conquistas atuais. E falamos também sobre pessoas com
deficiência, que independente das limitações todos somos capazes de estar
inseridos no mercado de trabalho, escolas, faculdades e principalmente temos o
direito de ter o nosso lazer e os nosso direito garantidos”, explica.
Futuro
O consultor motivacional diz sonhar em crescer profissionalmente por meio dos
projetos sobre educação e inclusão de pessoas com deficiência. “[Quero] Cada
vez mais contribuir para que a inclusão não seja apenas uma teoria, mas uma
prática constante na vida da nossa sociedade, que precisa muito abraçar essa
causa e ter uma nova visão de pessoas com algumas limitações e não só pessoas
com deficiência, mas também pessoas idosas, que também precisam ter o seu
direito garantido e principalmente o seu respeito e atenção merecidamente,
porque um dia todos nós vamos ficar velhos, um dia podemos ficar deficientes.”
Abade, que
recentemente ganhou a cadeira motorizada, diz ter ganhado com o equipamento maior
independência. Entre os próximos objetivos estão deixar a casa da mãe e formar
a própria família.
“Eu me considero uma
pessoa normal, mesmo com minha deficiência física. Tive relacionamentos
amorosos e decepções como qualquer outra pessoa, mas, como um homem de fé e que
sempre acredita que tudo é possível quando buscamos a Deus, eu sei também que
realizarei a mais esse sonho que é constituir família.”
“Não me vejo
incapaz, sei que sou diferente, mas com as minhas diferenças faço a diferença”,
completa o homem. “Com toda a minha trajetória passada tive meus momentos para
me preparar para romper todas os paradigmas e preconceitos, encarando a vida de
frente e aceitando-a como eu sou, e em nenhum momento tive questionamento por
causa das minhas limitações. Pelo contrário, busquei na minha deficiência um
lado positivo em viver, estudar, trabalhar e tenho um bom relacionamento com as
pessoas que passam em minha vida.”
G1