A
violência doméstica vem sendo respaldada há anos pela primícia de que em briga
de marido e mulher ninguém mete a colher. O ditado popular ajudou a sustentar a
inércia de muita gente que, ao pensar que seria taxada de intrometida, na
verdade estava sendo omissa. Violência doméstica é crime e, assim como qualquer
outro, não comunicá-lo é ser conivente com ele.
A ONG
ActionAid prevê que mais de 500 mil mulheres serão mortas por seus parceiros ou
familiares até 2030. O estudo foi feito em 70 países e mostra a ineficácia das
ações que vem sendo tomadas pelos governos na prevenção desse tipo de
violência.
O tema é
delicado e exige sensatez, mas esses pormenores não podem servir de desculpa
para ignorar o que acontece na porta ao lado ou diante de nossos olhos. Um caso
desses vários que passam pela minha vida de cobertura da editoria de polícia
foi bastante emblemático. Uma jovem estava sendo atacada na rua por um
assaltante. Quando dois homens chegaram para ajudá-la, o criminoso afirmou que,
na verdade, eles eram namorados. A frase virou uma chave na cabeça das
testemunhas, que naturalizaram a violência, como se o homem tivesse a
autorização de agredir a mulher pelo fato deles terem um relacionamento
afetivo.
A
população tem passado a mão na cabeça de agressores desde que decidiu que a
vista grossa era a melhor opção para se evitar problemas, ignorando
completamente o fato de que viver em uma sociedade violenta é que é o maior dos
percalços. Ignorar a violência não faz com que ela desapareça, pelo contrário.
Ignorar que a vizinha está sendo espancada pelo marido só faz esse marido
continuar o espancamento até que o fatídico dia chegue e essa mulher morra nas
mãos de seu algoz que vive na pele de companheiro.
Os gritos
surdos das vítimas são ainda mais abafados pelos apontamentos e relativização
da violência ao qual estão expostas. Ao ver o olho um olho roxo de uma mulher,
não demora muito para alguém “ponderar” e soltar frases como: “toda a história
tem dois lados”. Vou concordar em partes com essa afirmação. Numa relação de
violência doméstica realmente existem dois lados, basta saber em qual deles
você quer ficar.
180 Graus