Quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019
Femia Tchulani é uma vendedora de legumes que
sobreviveu a uma tentativa de sequestro organizada por “caçadores” de albinos,
que queriam matá-la para tirar partes de seu corpo. Ela narrou o caso,
ocorrido em sua casa no Malauí há dois anos, a Patience Atuhaire, da BBC
África. Tchulani conta como é viver sob ameaça, com medo das pessoas que
acreditam que partes dos corpos sem pigmentação de albinos trazem saúde e sorte.
“Era uma
sexta-feira. Cinco homens e uma mulher chegaram à minha casa por volta das 19h.
Quando apareceram, eu estava na cozinha preparando o jantar. Meu marido estava
do lado de fora. Disseram que procuravam por mim. Disseram que eram
policiais e estavam ali para me proteger porque receberam a informação de que
queriam me matar.
Fiquei
assustada. Eram pessoas desconhecidas, nunca as tinha visto antes. A chegada
deles criou uma certa comoção e fez com que alguns dos nossos vizinhos se
reunissem. Apesar de terem dito que eram policiais, não usavam uniforme.
No começo, não me convenceram. Mas então mencionaram o nome do chefe de polícia
da nossa área. Nós até pedimos para que descrevessem o chefe; e eles os
fizeram. Na verdade, nos mostraram armas e até carteiras de identificação.
Mas claro, a gente não tinha como saber se eram verdadeiros ou não.
Meu
marido e eu, além de alguns vizinhos, concordamos em ir com eles a uma unidade
policial. Quando chegamos lá, o posto estava trancado. Os cinco que
alegavam ser policiais chamaram outras três pessoas que estavam num bar
próximo. Eles tentaram forçar eu e meu marido a irmos até outra unidade
policial, mais longe da nossa área. Foi tudo muito estranho, porque
mandaram embora todos os curiosos que pararam perto da gente. Ficamos apenas
eu, meu marido e os vizinhos que vieram conosco.
Meu
marido insistiu que eles não deveriam me levar sozinha. Ele ficou argumentando
que não tínhamos cometido nenhum crime; e, por isso, por que ir à
polícia? Quando perceberam que a gente não ia sair dali, ficaram nervosos
e simplesmente foram embora. Eu nunca os vi novamente desde aquele dia.
Conhecemos os policiais que trabalham na nossa área, e essas pessoas eram
desconhecidas, ninguém as conhecia. Minha vida mudou completamente desde então.
Tenho
oito filhos, alguns ainda na escola. Antes do incidente, eu comprava legumes e
verduras no atacado e os vendia de porta em porta. Agora, tenho medo de andar
pela cidade. Uso um banco para expor meus produtos na feira. O dinheiro
que ganho com este ponto fixo na feira não é suficiente para pagar mensalidades
da escola, comprar uniformes e mesmo comida para meus filhos. Alguns já não
podem mais frequentar as aulas.
Eu
não acho que a polícia ou o governo estejam fazendo algo para proteger albinos
como eu. Vivo com a graça de Deus. E agradeço a Deus quando acordo todas
as manhãs. Ainda não me sinto segura. Por exemplo, teve uma noite no mês
passado em que algumas pessoas tentaram entrar na minha casa pelo telhado. Eu
acordei e fiquei alerta. A gente saiu de casa e gritou. Só assim eles fugiram.
A nossa comunidade está atenta aos
riscos, especialmente vizinhos e as mulheres no mercado. É por isso que eles
fizeram esse monte de pergunta à equipe da BBC. Eles sabem o que aconteceu
comigo e não querem que se repita. Olhe para minha casa, nem tenho boas portas
para me proteger à noite. Então, à noite para mim é como se fosse dia.
Tenho medo e mal consigo dormir. Tenho medo que essas pessoas voltem. Eu
adoraria que o governo me ajudasse com uma boa casa.
Também gostaria que o governo
cuidasse do meu bem-estar porque estou impossibilitada de trabalhar e ganhar
dinheiro suficiente para minha família por causa do que aconteceu. Se isso
acontecesse, eu seria uma pessoa feliz.” No ano passado, a ONU emitiu um
alerta no qual afirmava que 10 mil albinos no Malauí estão sob ameaça de morte
por causa do interesse em partes dos corpos deles – que muitos acreditam dar
sorte. Desde novembro de 2014, 19 albinos foram mortos e houve mais de 100
casos de desaparecimento ou tentativa de sequestro.
Covas de albinos também são alvos de
criminosos que removem os ossos dos cadáveres para vendê-los. A Anistia
Internacional afirma que a maioria dos ataques contra albinos fica sem solução
por causa da falta de capacidade da polícia de investigar. Ativistas dizem
que a pobreza contribui para alimentar a crença de que partes do corpo de
albinos trazem sorte e fortuna e também para sustentar esse comércio macabro.
Publicado por Anderson Costa
Fonte: BBC News Brasil
Créditos: BBC News Brasil