Quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020
Metodologia
desenvolvida combina ferramentas de metabolômica e inteligência artificial
Equipe do Laboratório Innovare de Biomarcadores (Foto: Reprodução/Unicamp)
Uma pesquisa feita na
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) criou um software que permite identificar, com base na análise do sangue,
indivíduos com risco aumentado de ganhar peso e desenvolver doenças associadas
à obesidade, como diabetes.
O trabalho foi
coordenado pelo professor Rodrigo Ramos Catharino no Laboratório Innovare de Biomarcadores.
A pesquisa contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (Fapesp). Os resultados foram publicados na revista ‘Fronteiras entre
Bioengenharia e Biotecnologia’ (Frontiers
in Bioengineering and Biotechnology).
“O exame revela, com cerca de
90% de precisão. Se uma pessoa vai ou não ganhar peso caso nenhuma intervenção
seja feita. Mostra ainda se há risco de desenvolver doenças como diabetes,
hipertensão e dislipidemia. A ferramenta possibilita aos profissionais de saúde
orientar mudanças no estilo de vida antes mesmo que o problema se instale”,
disse Catharino.
Como é feito o teste que identifica risco de diabetes
O teste pode ser feito com
uma amostra de sangue, que deve ser analisada em um espectrômetro de massas. O
equipamento revela todos os metabólitos presentes no fluido corporal. Esse
conjunto de moléculas retrata os diversos processos metabólicos ativos no
organismo.
Os dados obtidos por
espectrometria podem então ser processados pelo software criado durante o
doutorado de Flávia Luísa Dias-Audibert. O trabalho foi feito em parceria com o
pesquisador Luiz Cláudio Navarro, orientando do professor Anderson Rezende
Rocha no Instituto de Computação da Unicamp. O grupo contou com apoio do Centro
de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC), um Centro de Pesquisa, Inovação
e Difusão (CEPID) da FAPESP na Unicamp.
“O programa busca a presença
de cinco metabólitos que funcionam como biomarcadores com potencial de predizer
o ganho de peso. Um deles, quando presente na amostra, indica que o paciente
tende a desenvolver diabetes caso se torne obeso”, contou Catharino.
Os códigos do programa estão
disponíveis para download gratuito. E qualquer centro de saúde que tenha acesso
a um espectrômetro de massas pode fazer uso da metodologia.
“Trata-se de uma técnica
barata e acessível até mesmo ao Sistema Único de Saúde. Basta um único
espectrômetro de massas na rede, que pode atender a vários hospitais e
ambulatórios”, disse o pesquisador.
Aprendizado de máquina
A metodologia desenvolvida
combina ferramentas de metabolômica (estudo do conjunto de metabólitos em
amostras biológicas) e inteligência artificial. Os pesquisadores usaram dados
obtidos por meio da análise do plasma sanguíneo de 180 pessoas para “treinar” o
programa de computador a reconhecer um padrão associado ao ganho de peso.
Metade dos voluntários
incluídos no estudo era eutrófica (com índice de massa corporal dentro da faixa
considerada normal). E os demais apresentavam grau variado de sobrepeso e
obesidade.
“Todas essas pessoas passaram
por análises antropométricas [medida de peso, altura e massa corporal] e
responderam a um questionário com informações sobre idade, gênero e histórico
familiar de doenças crônicas. Usamos parte dos pacientes para treinar o
software e outra parte para validá-lo por meio da comparação de seus resultados
com os dados antropométricos e o histórico de saúde. Para esse treinamento foi
usado um algoritmo de aprendizado de máquina conhecido como Random Forest”,
contou Catharino.
Ao todo, 18 metabólitos foram
identificados como biomarcadores de processos metabólicos que favorecem o
acúmulo de gordura no organismo. Desses, cinco apresentaram potencial de predizer
o ganho de peso.
“A prostaglandina B2 e o
carboxi-leucotrieno B4 são dois metabólitos do ácido araquidônico [ácido graxo
da família do ômega-6] conhecidos por participar de processos inflamatórios,
atuar no recrutamento de células para o sítio de inflamação e induzir a
produção de espécies reativas de oxigênio [que em excesso prejudicam o
funcionamento das células]”, contou Dias-Audibert.
A combinação desses
biomarcadores sugere que, em indivíduos acima do peso, ocorre uma
retroalimentação da cascata inflamatória no organismo. “Esse achado vai ao
encontro de diversos estudos que descrevem a inflamação crônica de baixo grau
como um dos processos deletérios ativos em uma condição de excesso de peso”,
disse.
Outro biomarcador apontado
como preditor foi o ácido carboxi-metil-propil-furano propanoico (CMPF),
relacionado com disfunção nas células produtoras de insulina no pâncreas e com
o desenvolvimento de diabetes.
Auxilio para profissionais
O programa também pode ser
usado por profissionais de saúde para avaliar se o tratamento prescrito para
reduzir o porcentual de gordura corporal está funcionando.
“Mesmo antes que o indivíduo
perca peso é possível saber se a intervenção está dando resultado. Se os
processos metabólicos que levam ao acúmulo de gordura forem interrompidos, a
tendência é que esses 18 metabólitos que identificamos desapareçam do plasma sanguíneo”,
afirmou.
Por: Agência Fapesp