Sábado, 31 de dezembro-12 de 2022
Matéria do G1
Primeiro
Papa da história a renunciar por falta de “ânimo” para governar, Bento XVI
morreu neste sábado (31), aos 95 anos, anunciou o Vaticano.
"É com pesar que informo que o Papa Emérito Bento XVI faleceu
hoje às 9h34 no Mosteiro Mater Ecclesiae no Vaticano. Mais informações serão
fornecidas o mais breve possível", escreveu o perfil de notícias do
Vaticano no Twitter.
A saúde de Joseph Ratzinger vinha se debilitando nos últimos anos.
O Vaticano havia dito em um comunicado que ele sofreu uma "piora"
repentina de sua saúde e que sua condição estava "sob controle", com
atenção médica constante. Desde a renúncia, em 10 de fevereiro de 2013, o
teólogo alemão vivia em um pequeno mosteiro no Vaticano.
Embora o gesto mais marcante de seu pontificado tenha sido a
própria renúncia, os quase oito anos no comando da Igreja Católica também foram
marcados por textos teológicos de fôlego, uma linha conservadora nas questões
morais, e escândalos de disputas políticas e vazamentos de documentos do
Vaticano – os chamados Vatileaks.
“Houve tempos difíceis, mas sempre Deus me guiou e me ajudou a
sair, de modo que eu pudesse continuar o meu caminho”, disse Ratzinger no seu
aniversário de 90 anos, já aposentado.
Renúncia ao papado
Bento XVI surpreendeu o mundo quando anunciou sua renúncia, em
latim, durante uma reunião rotineira com os cardeais presentes em Roma. Muitos
papas da era moderna chegaram a cogitar a renúncia por motivos de saúde, entre
eles Paulo VI e João Paulo II, mas nenhum deles havia concretizado essa
decisão.
Na ocasião, aos 85 anos, Bento XVI disse que o motivo para deixar
o cargo era a falta de forças na mente e no corpo.
“No mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças e agitado por
questões de grande relevância para a vida da fé, para governar a barca de São
Pedro e anunciar o Evangelho, é necessário também o vigor, seja do corpo, seja
do ânimo, vigor que, nos últimos meses, em mim diminuiu, de modo tal a ter que
reconhecer minha incapacidade de administrar bem o ministério a mim confiado.”
– Papa Bento XVI.
A diferença de Bento XVI em relação a outros papas que renunciaram
no passado é que ele deixou o cargo de forma consciente e voluntária, alegando
não ter mais forças para governar. Renunciou quase 600 anos depois de Gregório
XII, que renunciou em 1415, em meio a uma divisão política na Igreja. A ideia
de Gregório XII era permitir a eleição de um novo pontífice que a unificasse.
Ainda mais notável, porém, foi o caso do Papa Celestino V, considerado santo
pela Igreja. Em 1294, ele renunciou após apenas cinco meses no trono de Pedro,
virou eremita e, no fim da vida, foi mantido prisioneiro de seu sucessor, o
Papa Bonifácio VIII.
Diferentemente deles, e por escolha própria, Bento XVI tornou-se o
primeiro Papa Emérito da história. Continuou se vestindo de branco e não
renunciou à confortável vida no Vaticano, protegida de holofotes e multidões.
Mas adotou um estilo simples e, com exceção de algumas aparições públicas e
comentários teológicos publicados por escrito, manteve-se isolado. Ao
renunciar, ele prometeu obediência ao seu sucessor, que viria a ser o Papa
Francisco, eleito em 13 de março de 2013.
“Com um ato de extraordinária audácia, ele renovou o ofício papal,
e com um último esforço o potencializou”, disse Dom Georg Gänswein, secretário
particular de Bento XVI e Prefeito da Casa Pontifícia, em maio de 2016, num
evento em Roma. “Não é surpreendente que, para alguns, ele seja visto como
revolucionário. Outros veem nisso um papado secularizado, mais humano e menos
sacro. Outros, ainda, são da opinião de que Bento XVI tenha quase
desmistificado o papado.”
O escândalo Vatileaks
Embora o discurso oficial do Vaticano seja o da falta de forças
para governar, até hoje muito se especula sobre os motivos que levaram à
renúncia de Bento XVI. Ele mesmo afirma que a decisão foi tomada após sua
viagem ao México, em março de 2012, quando levou uma queda e sentiu o peso da
idade em um voo intercontinental. Foi quando percebeu que não seria capaz de ir
ao Brasil para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) de 2013.
O momento era difícil para a Igreja Católica: os escândalos do
Vatileaks expuseram uma série de problemas na forma como o Vaticano vinha sendo
conduzido, entre corrupção, desvios de dinheiro, condutas sexuais contrárias ao
ensinamento da Igreja e jogos de poder.
Na época, relatos na imprensa internacional mostravam um Papa
isolado no Palácio Apostólico, enquanto a Igreja era comandada, na prática,
pelo secretário de Estado, o cardeal Tarciso Bertone – posteriormente envolvido
numa polêmica por causa da reforma de seu apartamento de 700 m usando recursos
do hospital infantil Bambino Gesù, do Vaticano.
Idoso e pouco popular, Joseph Ratzinger tinha seu poder e
influência enfraquecidos. Em vida, ele mesmo reconhecia que a administração não
era o seu ponto mais forte e, por isso, delegava boa parte das decisões a
pessoas de confiança, como o cardeal Bertone.
Em entrevista ao biógrafo Peter Seewald, autor de “O Último
Testamento”, Bento XVI garantiu que jamais abandonaria a “barca de Pedro” em
mar tortuoso, como pressões externas ou após a traição de alguns colaboradores.
Afirmou que já havia solucionado os problemas ligados ao Vatileaks e vivia “no
estado de espírito de quem pode passar o leme a quem vem depois”.
Por: G1