Domingo, 14 de maio-(05) de 2023
Matéria de RANIER BRAGON (BRASÍLIA, DF FOLHAPRESS)
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Foto: Marcello Casal Jr./ Agência Brasil/arquivo |
O TSE
(Tribunal Superior Eleitoral) concluiu neste mês o julgamento das contas dos
partidos relativas a 2017 e determinou a devolução aos cofres públicos de ao
menos R$ 40 milhões, a título de ressarcimento e multa, valor que ainda precisa
ser corrigido pela inflação.
A Folha consultou todos os
acórdãos e votos relativos aos 35 partidos existentes à época hoje são 31,
documentação que mostra uma extensa lista de desvios que podem ser perdoados
caso o Congresso aprove a PEC da Anistia, proposta de emenda à
Constituição que pretende passar uma borracha em todas as irregularidades
ocorridas.
A medida conta com o apoio de
governo e oposição e deve ser aprovada na terça-feira (16) pela CCJ (Comissão
de Constituição e Justiça) da Câmara, o primeiro passo da tramitação.
Ao todo, o TSE reprovou 19 das
contas partidárias de 2017 e aprovou com ressalvas as outras 16. A morosidade
da Justiça, aliada à pequena estrutura de fiscalização, faz com que as contas
sejam julgadas com atraso de quase cinco anos.
Os julgamentos mostram gastos
sem relação com a atividade partidária e em benefício de dirigentes, como
pagamentos de remuneração em valor acima do teto constitucional e para empresas
ligadas a eles, assim como uma generalizada falta de comprovação da destinação
das verbas.
Apenas o PSD não foi condenado
a devolver valores públicos, além do Novo, que só neste ano decidiu que passará
a usar as verbas públicas e que deverá restituir R$ 39 mil recebidos em 2017 de
pessoas jurídicas e físicas.
Nos últimos anos, o Congresso
turbinou o repasse de dinheiro público para os partidos, que só em 2022
receberam R$ 6 bilhões. Na contramão disso, tem promovido uma série de
alterações para tornar a lei mais branda, apesar do longo histórico de
malversação de dinheiro público, que inclui gastos em restaurantes de luxo,
compra de helicópteros, imóveis e carros de mais de R$ 100 mil.
Em abril de 2022, por exemplo,
deputados e senadores aprovaram uma PEC anistiando as legendas pelo não
cumprimento nas eleições anteriores das cotas de estímulo à participação de
negros e mulheres na política.
Desde a proibição do
financiamento empresarial a políticos, os partidos têm como principal fonte de
recursos os cofres públicos o Fundo Partidário, que destinará a eles R$ 1,185
bilhão em 2023, e o Fundo Eleitoral, que em 2022 distribuiu R$ 5 bilhões.
Assinada por 184 deputados,
incluindo os líderes do governo, José Guimarães (PT-CE), e da oposição, Carlos
Jordy (PL-RJ), a PEC proíbe qualquer punição a ilegalidades cometidas até a sua
promulgação, incluindo o desrespeito ao repasse mínimo de verbas a mulheres e
negros nas eleições.
Se avançar no Congresso, porém,
há risco de judicialização, porque algumas entidades consideram que só poderia
haver anistia de casos ainda não julgados até a promulgação.
Em relação a 2017, o TSE
desaprovou as contas de PHS (incorporado ao Podemos), PTB, Pros (incorporado
pelo Solidariedade), PMN, Cidadania, Avante, PCB, Solidariedade, PRTB, PCO,
PSC, PPL (incorporado ao PC do B), Agir, PRP (incorporado ao Patriota), PV,
PMB, DC, PSTU e Rede.
Proporcionalmente ao que
recebeu dos cofres públicos, o caso mais grave é do nanico PHS, que em 2019 foi
incorporado ao Podemos.
O tribunal concluiu no dia 24
de março que o partido aplicou de forma irregular cerca de 60% do que recebeu
dos cofres públicos em 2017, determinando a devolução de R$ 4,2 milhões,
atualizados pela inflação, além de multa de 12%.
No parecer sobre o caso, o
Ministério Público tabulou 31 irregularidades, entre elas a afirmação de que o
partido gastou R$ 1,5 milhão em verba pública sem ter apresentado qualquer
documentação fiscal comprobatória, demonstração de vínculo com atividades
partidárias ou prova da execução dos serviços.
O segundo partido com maior
volume de recursos a serem devolvidos é o PTB de Roberto Jefferson R$ 3,2 milhões,
mais correção monetária e multa de 12%.
O TSE considerou excessivos e
irregulares os gastos com hospedagem mensalidade no Hotel Nacional, ao custo de
R$ 390 mil ao ano e com remuneração a dirigentes, em especial os R$ 33,8 mil
mensais a Jefferson, na época presidente da legenda, valor superior ao teto
constitucional.
O ministro Ricardo Lewandowski,
que relatou o julgamento em fevereiro, escreveu em seu voto que a remuneração
dos dirigentes partidários somou R$ 1,6 milhão no ano, constituindo “falha
grave” diante da “falta de definição de critérios transparentes que fixem
valores condizentes com o mercado e com as atribuições e responsabilidades”.
De acordo com o ministro, esses
gastos são incompatíveis com o princípio da economicidade. “Devemos ser
rigorosos com a prestação de contas de recursos públicos, pois não é um
dinheiro dos partidos, mas, sim, da sociedade brasileira.”
Jefferson está em prisão
preventiva desde outubro de 2022, quando resistiu à bala ao cumprimento de
ordem de recolhimento expedida pelo STF.
Já o DC teve como uma das
irregularidades apontadas o gasto de R$ 69 mil da verba com abastecimento de
carros no posto do presidente do partido, José Maria Eymael.
“Mantenho a irregularidade das
despesas com aquisição de combustíveis no Centro Automotivo Caminho Certo, de
propriedade do presidente do partido, seja em função de conflito de interesses,
haja vista a influência direta desse dirigente partidário na transação, seja
pela impossibilidade de se comprovar a economicidade da contratação, além do
questionável montante despendido no exercício de 2017”, afirmou em seu voto o
relator, ministro Carlos Horbach.
Entre os partidos que tiveram
as contas aprovadas com ressalvas, o PT é o responsável pela maior fatia a
devolver, R$ 4,86 milhões, boa parte por ausência de documentação comprobatória
do gasto.
A sigla de Lula foi a que
recebeu a maior verba em 2017, R$ 93,5 milhões. As irregularidades apontadas
pelo TSE somaram, portanto, cerca de 5% desse valor.
“É importante ressaltar que
mesmo com uma série de limitações, sobretudo de recursos tecnológicos, todos os
anos a Justiça Eleitoral identifica uma série de fraudes e irregularidades, nas
quais muitas vezes os partidos reincidem”, afirma Marcelo Issa,
diretor-executivo do Transparência Partidária.
“Mais desvios seriam
identificados caso esse trabalho fosse aprimorado. A PEC, no entanto, caminha
exatamente no sentido oposto. Estar a favor dessa proposta significa realizar
um ataque grave à Justiça Eleitoral e a eleições limpas, transparentes e democráticas.”
Para ser aprovada, uma PEC
precisa do apoio mínimo de 60% dos parlamentares (308 de 513 na Câmara e 49 de
81 no Senado), em dois turnos de votação em cada Casa. Caso isso ocorra, ela é
promulgada e passa a valer, não havendo possibilidade de veto do Poder
Executivo.
PARTIDOS NEGAM IRREGULARIDADES
NO USO DA VERBA PÚBLICA
Todos os partidos que se
manifestaram conclusivamente na fase final dos julgamentos negaram as
irregularidades pelas quais tiveram as contas desaprovadas.
Em alguns casos, afirmam que os
órgãos técnicos do TSE não deram margem ao contraditório e se recusaram a
analisar esclarecimentos.
À Folha o DC afirmou, em nota,
que a decisão do partido de abastecer seus veículos no posto de propriedade de
Eymael atendeu ao princípio da economicidade e também observou a qualidade do
produto.
“O abastecimento dos veículos
do partido no Centro Automotivo Caminho Certo obedeceu rigorosamente aos preços
de mercado, sem nenhuma vantagem escusa tanto para o partido como para a
revenda de combustível.”
O Podemos afirmou que a
incorporação se deu em 2019 e, portanto, as ações relativas a exercícios
anteriores dizem respeito aos dirigentes à época, ocasião em que o PHS estava
envolto em disputas judiciais pelo seu comando.
“O Podemos, ao incorporá-lo,
acaba herdando esse passivo do ponto de vista técnico, mas do ponto de vista
prático não teve gestão ou responsabilidade sobre o que foi feito com os
recursos do fundo naquele ano”, afirmou Alexandre Bissoli, advogado do Podemos.
A Folha não conseguiu contato
com a assessoria do PTB nem com a defesa de Jefferson.
Em suas alegações finais, o PT
disse ter apresentado farta documentação que mereceria ser reexaminada pela
corte.
“O que se destaca é a solene
recusa em examinar o acervo acostado e até inovações sobre as quais não se
oportunizou ao Prestador [partido] a devida manifestação”, diz a peça,
afirmando ainda, por exemplo, que um documento digital foi recusado pelos técnicos
sob o argumento de que não foi possível abri-lo.
Por: RANIER BRAGON (BRASÍLIA,
DF FOLHAPRESS)