Quinta-feira, 10 de outubro-(10) de 2024
Levantamento mostra que sete em cada
dez medicamentos usados pelos pacientes entrevistados eram antidepressivos
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Uso de medicamentos para saúde mental aumenta no Brasil, diz pesquisa (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil) |
O uso de medicamentos para cuidados com
saúde mental aumentou 18,6% nos últimos dois anos no país. O levantamento,
feito com 616.101 pacientes, entre agosto de 2022 e agosto de 2024, mostra que
74% dos medicamentos adquiridos pelos entrevistados eram antidepressivos e 26%,
ansiolíticos.
O estudo, realizado pela Sandbox,
empresa especializada em análises para o setor de saúde, indica que cada
paciente comprou, em média, duas caixas de remédio por mês. O uso de
antidepressivos era a realidade de 83% das pessoas. Já os ansiolíticos tiveram
queda de 0,6% entre os participantes do banco de dados.
Diogo de Lacerda, um dos coordenadores do Grupo de Referência de
Transtornos de Ansiedade e do Humor da Santa Casa de São Paulo, afirma que um
dos principais motivos para o aumento do consumo de medicamentos é o
crescimento de transtornos mentais na população.
“Hoje, é muito
mais fácil buscar ajuda médica e ter acesso a tratamentos do que era no
passado. As pessoas estão mais conscientes dos sintomas e estão procurando
tratamentos muito mais cedo, o que é positivo, mas também contribui para o
aumento do uso de medicamentos”, analisa.
De acordo com
dados do Ministério da Saúde, os ambulatórios da rede pública atenderam 601.675
casos de ansiedade e 195.851 de depressão em 2023. Já no primeiro semestre
deste ano, 448.816 pacientes com os transtornos procuraram auxílio
no Sistema Único de Saúde (SUS).
A psicóloga Aline
Sampaio diz que a ansiedade e a depressão estão ligadas às causas e vivências
sociais de cada cultura. “O Brasil, em particular, devido às nossas condições
sociais, está no topo do mundo no quesito de sofrimento com ansiedade. Quanto
mais dificuldades diárias, mais chance de vivenciar isso”, pontua.
Como
funcionam os medicamentos?
O Ministério da
Saúde aponta que a depressão é uma doença crônica que demanda tratamento com
terapia e medicamento, selecionado de acordo com fatores como o subtipo da
doença, antecedentes familiares e características do remédio.
Lacerda explica
que os antidepressivos aumentam e regulam a quantidade de neurotransmissores,
como serotonina, noradrenalina e dopamina. Essas substâncias podem equilibrar
os níveis de sono, prazer e bem-estar do corpo.
Além disso, eles
regeneram as células cerebrais que, normalmente, estão em déficit no organismo
das pessoas que passam por quadro de depressão ou ansiedade, como informa o
especialista.
Os ansiolíticos,
por sua vez, atuam no sistema ácido gama-aminobutírico, que possui efeito
calmante, diminuindo a atividade cerebral. Lacerda reforça que o medicamento
ajuda a reduzir sintomas da ansiedade.
Sampaio enfatiza
que apenas o uso de medicamento pode não ser ideal no tratamento. Ela explica
que o psicólogo acompanha, com o paciente, o funcionamento dos remédios. “É
preciso entender o motivo da ansiedade e da depressão. É com a terapia que você
realmente entende a dificuldade e vai modificando sua vida para que isso passe
a ser diferente em seu cotidiano”, conclui.
Dificuldade
de acesso
A pesquisa revela
que os gastos médios mensais com medicação entre os pacientes aumentaram de R$
154 e R$ 189. Além disso, o valor médio por caixa de remédio subiu R$ 19,50,
cerca de 25,9%.
Lacerda ressalta
que o acesso à medicação impacta no tratamento. “É sempre importante pensar em
como o paciente vai ter acesso a essa medicação, seja pelo SUS, seja de forma
particular, seja qual for a forma, se aquele medicamento está dentro das
possibilidades daquela pessoa”, afirma.
Consultas com
profissionais e alguns antidepressivos estão disponíveis pelo SUS, o que daria
para fazer os tratamentos necessários, segundo o especialista.
Sampaio pontua que
a população de baixa renda pode ter dificuldade de acesso aos meios que
melhoram a qualidade de saúde mental. “A ida a um psicólogo ou a um psiquiatra
de forma particular muitas vezes pode ser sim um artigo de luxo. O mesmo
podemos dizer com referência aos planos de saúde que dão acesso para esses
profissionais”, diz.
Ajuda desde
cedo
Uma grande
preocupação é com o uso de remédios desse tipo por parte dos jovens. Estudo da
University College London e do Sutton Trust, na Inglaterra, apontou que a
quantidade de jovens com problemas de saúde mental duplicou nos últimos 15
anos.
O remédio pode ser
fundamental, mas não deve vir sozinho. E a escola ajuda nisso. Psicóloga
escolar, Luciana Gigante observa que as exigências em relação aos jovens têm
crescido, principalmente para aqueles a partir dos 15 anos, com fatores como
Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), vestibulares, as consequências da
pandemia, a ansiedade e o desafio de se conhecer.
“Essa fase da vida
não é apenas sobre a pressão dos exames, como o Enem e vestibulares. É um
período em que os jovens precisam, mais do que nunca, de espaços para dialogar
sobre o que sentem, aprender a reconhecer suas emoções e buscar equilíbrio em
meio às cobranças externas e internas”, explica Gigante, que trabalha com cerca
de 600 estudantes do Colégio Unificado, em Porto Alegre.
Lá, eles criaram o
projeto “Laços que cuidam”, com o objetivo de proporcionar “um ambiente
acolhedor onde os jovens desenvolvem habilidades emocionais e aprendem a lidar
com as pressões acadêmicas de maneira positiva”, como diz o programa.
Na escola SAP, no
Rio de Janeiro, o projeto “Seiva” também busca rodas de conversa, trabalhos em
grupo e até ioga.
“Na aula de Ioga,
o trabalho vai além das posturas. Crianças e jovens aprendem a meditar,
respirar e a viver o presente. É uma das formas empregadas para combater a
ansiedade e desenvolver a autorregulação“, conta a diretora Luciana Soares.
*Sob supervisão de Leonardo Meireles
Por: Beatriz Oliveira*, do R7,
em Brasília