Quinta-feira, 25 de setembro-(09) de 2025
Matéria da Agência Brasil Agencia Brasil
Foto: Antônio Cruz/ Agência Brasil
Centenas de casos de impunidade de senadores e
deputados investigados em crimes que incluíam corrupção, assassinatos
e tráfico de drogas chocaram a opinião pública durante toda a década de 1990.
Como a Justiça precisava de autorização da Câmara
ou do Senado para processar parlamentares, na prática, eles ficavam
imunes a processos enquanto durava o mandato, atrasando, por anos, as
investigações.
A revolta contra essa situação levou o Congresso
Nacional a aprovar, em dezembro de 2001, a Emenda Constituição (EC) 35, que acabou com a exigência de
autorização prévia para processar criminalmente um parlamentar.
Agora, a Câmara dos Deputados tenta retomar a
proteção inicialmente prevista na Constituição de 1988, por meio da Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) 3 de 2021, conhecida também como PEC da
Blindagem e PEC das Prerrogativas. A medida prevê que seja necessária a
autorização da maioria das casas legislativas, em uma votação com
voto secreto, para que parlamentares respondam a processos judiciais.
A jornalista Tereza Cruvinel trabalhou na editoria
de política do jornal O Globo por mais de 20 anos, acompanhando o trabalho
legislativo da Constituição à promulgação da emenda 35.
“Começaram a surgir parlamentares com envolvimentos
criminais. Muitas vezes, eles pertenciam a partidos poderosos, e o Judiciário
não conseguia as licenças para processá-los. Quando o Supremo pedia, era
invariavelmente negado. Quase 300 pedidos foram negados até 2001”, lembrou.
Segundo a profissional, a aprovação da
emenda que acabou com a necessidade de autorização do Congresso para as
investigações foi motivada pelos inúmeros casos de impunidade relatos
pela mídia. “Foi uma reprovação da sociedade àquele protecionismo extremo
de parlamentares, que eram praticamente inalcançáveis pela lei. Houve uma
confusão entre imunidade e impunidade”, completou a jornalista que, entre 2007
e 2011, foi presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
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Jornalista Tereza Cruvinel acompanhou congresso da Constituinte, em 1988, à mudança que permitiu a processos contra parlamentares, em 2001 Marcelo Casal Jr./Agência Brasil |
Deputado
da motosserra
Um
dos casos que contribuiu para mudar a Constituição foi o do “deputado
da motosserra”. Eleito em
1998, o parlamentar acreano Hildebrando Pascoal acabou condenado, após deixar o
Parlamento, por tráfico de drogas e diversos homicídios, entre os quais, o
esquartejamento de desafetos com um motosserra.
Cruvinel
destacou que, mesmo nos casos mais chocantes, o Congresso preferia caçar o
mandato do que permitir que o Judiciário abrisse uma ação penal.
“O caso
do Hildebrando foi apenas o caso mais emblemático. Quando os crimes dele
estavam provados, e o Supremo pediu a licença, em vez de conceder, preferiram
caçá-lo para não dar precedente e preservar aquele mecanismo”, comentou.
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Deputado federal Hildebrando Pascoal ficou conhecido como “deputado da motosserra” TJAC/Divulgação |
Sérgio
Naya e o Palace 2
Outro caso que apressou a
aprovação da EC 35 foi a desabamento do Edifício Palace 2, que matou oito
pessoas no Rio de Janeiro, em 1998, e pertencia ao engenheiro e deputado
federal Sérgio Naya, responsável técnico pela construção do prédio.
“As
PECs que tramitavam sobre o tema nesta casa tiveram o seu andamento acelerado
pela pressão popular, entrando na pauta de discussão da Comissão de
Constituição e Justiça”, diz documento dos anais do Senado.
Atentado
no restaurante
Outro
caso que contribuiu para aprovação da EC 35 foi o do senador Ronaldo Cunha
Lima, da Paraíba. Quando era governador, ele atirou contra seu rival político,
o ex-governador Tarcísio Burity, em um restaurante de João Pessoa, em
1993.
Cunha
Lima chegou a ser preso, mas conseguiu habeas corpus. Em 1995, foi
eleito senador e contou com a imunidade que duraria 8 anos. Ainda em 1995, o STF pediu licença para processar o parlamentar,
mas o Senado só analisou o caso quatro anos depois, em 1999, negando a
autorização.
Cunha
Lima só foi processado depois da emenda 35. Porém, em outubro de 2007, a poucos
dias de ser julgado no STF, o parlamentar renunciou ao cargo para levar o caso para a 1ª
instância do Judiciário.
A
família de Burity reagiu com indignação. “Ele passou 14 anos ludibriando a
Justiça. Agora, quando sabia que ia ser julgado, renunciou para ser julgado
pelo Tribunal do Júri. É uma palhaçada”, lamentou à época a viúva do político, Glauce Burity.
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Ex-senador Ronaldo Cunha Lima. Roque Sá/Arquivo Senado |
Constituinte
de 1988
Quando
o constituinte de 1988 incluiu na Constituição a exigência de autorização para
processos criminais contra deputados e senadores, ele tinha em mente criar uma
proteção aos deputados depois de 21 anos de ditadura militar.
Tereza
Cruvinel, que também cobriu a Constituinte de 1988, destacou que, na época, os
constituintes temiam perseguições políticas após a redemocratização.
“A
constituinte, que vinha para encerrar uma ditadura, teve a intenção de proteger
os parlamentares contra eventuais futuros abusos, um retrocesso, uma nova
ditadura ou meia ditadura. O deputado de hoje, por outro lado, está pensando em
garantir uma blindagem contra quaisquer iniciativas da Justiça, inclusive dos
delitos que envolvem emendas parlamentares”, acrescentou.
Segundo
especialistas e organizações que trabalham com o combate a corrupção, a atual PEC da Blindagem pode favorecer a corrupção no uso de
emendas.
A
analista legislativa Orlange Maria Brito escreveu artigo sobre o tema e
destacou que a
proteção pensada para os parlamentares que saíam de uma ditadura começou a ser
questionada uma vez que foi “desviada da sua correta utilização”.
“Permite-nos
questionar a necessidade e atualidade em tempos em que não mais existiam a
situação de autoritarismo do momento histórico e político em que foram
concebidas”, ponderou.
Ainda
segundo a especialista, “diante de inúmeros fatos, ocorridos à época,
instalou-se a preocupação em evitar que a imunidade se degenerasse como
mecanismo que lograsse acobertar atos delituosos que não deveriam fugir da
atuação do Poder Judiciário”.
Proteger
o Parlamento
Os
defensores da PEC 3 de 2021 afirmam que a proposta visa proteger o exercício do
mandato parlamentar contra interferências indevidas do Judiciário e contra
supostas “perseguições políticas”.
O
relator da PEC na Câmara, deputado Claudio Cajado (PP-BA), rejeita o argumento
de que a proposta limite as ações criminais contra parlamentares.
“Isso
aqui não é uma licença para abusos do exercício do mandato, é um escudo
protetivo da defesa do parlamentar, da soberania do voto e, acima de tudo, do
respeito à Câmara dos Deputados e ao Senado”, justificou.
O
deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) defendeu que o Congresso Nacional não
barraria investigações contra quem cometeu crimes.
“Quem
cometer crime vai pagar, uai. É simples assim, a gente vota, e a gente mostra
que essa casa é contra criminoso”, disse Nikolas durante a sessão.
Por: Agência Brasil