Sexta-feira, 22 de setembro de 2017
O suicídio é a quarta maior causa
de morte de jovens entre 15 e 29 anos no Brasil. Os dados são do primeiro
boletim epidemiológico sobre suicídio, divulgado hoje (21) pelo Ministério da
Saúde, que mostram ainda que, em 2015, 65,6% dos óbitos nessa faixa etária
foram por causas externas: violências e acidentes. A divulgação faz parte das
ações do Setembro Amarelo, mês dedicado à prevenção ao suicídio.
O oficial de justiça aposentado Ivo Oliveira Farias, perdeu a
filha Ariele para o suicídio em 2014, quando ela tinha 18 anos de idade. Ele
superou o tabu e a vergonha e hoje fala abertamente sobre o suicídio da filha e
a importância da prevenção. “As pessoas não se matam porque querem morrer, mas
para acabar com a dor, não para matar a vida. [Para eles], a única alternativa
de parar de sofrer é morrendo, elas querem acabar com a dor da depressão, do
significado da existência. Elas estão em uma situação da qual não encontram uma
saída e aí elas saem da vida como forma de resolver o problema”, disse.
Para ele, é preciso falar cotidianamente sobre suicídio, “até na
mesa do bar”. “Aquela pessoa que está vivendo o drama, pode encontrar um
caminho ali para buscar uma ajuda. A gente tem que conversar com as pessoas.
Quando uma pessoa diz que quer se matar, a gente tem que acreditar. A maioria
dá sinal, 9 em cada 10 dão sinal”, ressaltou.
Segundo a psicóloga e coordenadora do Instituto Vita Alere de
Prevenção e Posvenção do Suicídio, Karen Scavacini Karen, os sinais de alerta
muitas vezes só fazem sentido depois da morte e são muito complexos de serem
observados e entendidos. Entretanto, ela mostrou preocupação com o aumento do
suicídio entre jovens. Segundo Karen, é importante lembrar que o cérebro só
termina de se formar aos 21 anos e que os jovens têm mais impulsividade, menor
autocontrole e menor consciência crítica.
“Temos visto jovens que não têm tolerância à frustrações, fazendo
alto uso de álcool de drogas, jovens isolados”, disse ela, explicando que as
redes sociais são umas das causas desse isolamento e frustração. “Por mais que
haja um contato virtual, o contato significativo tem diminuído. E tudo que ele
vê no Facebook e na rede social, ele acha que é verdade e compara com a própria
vida, porque nas redes sociais todas as pessoas aparentam estar feliz sempre”,
disse.
A pressão com a carreira, a pressão em ser o melhor são
preocupações que pesam aos jovens, segundo Karen. “E um vazio existencial. O
próprio sentido da vida das pessoas”, ressaltou.
Fatores
de risco
A psicóloga Karen cita ainda a
mídia e as séries de TV, como 13 Reasons Why, do
canal de streaming
Netflix, que, para ela, têm uma grande influência sobre os jovens.
“Quando o jovem se identifica com o personagem, aumenta o risco de contágio”,
disse. Na série, a personagem principal comete suicídio e tenta explicar as
suas razões.
“A série é muito boa em trazer esse assunto para a realidade das
pessoas. No geral, as pessoas acham que suicídio só acontece na casa do
vizinho. O problema é que a grande maioria dos jovens viu a série mas não teve
como conversar porque os pais não viram. Não teve um diálogo aberto sobre tudo
que aconteceu com a Hanna [personagem que cometeu suicídio]”, disse,
argumentando que a própria série, que trouxe à tona a discussão, poderia
mostrar as saídas, os caminhos para se receber ajuda.
Uma outra questão que também
influencia os jovens é a descoberta da homossexualidade, quando eles assumem
isso perante a família e a sociedade. “Dependendo da maneira como a situação é
tratada é um fator de risco para o suicídio”, disse. “A decisão recente de que homossexualidade pode ser
tratada, pode aumentar esse fator de risco. É um retrocesso grande”,
explicou.
Karen explicou ainda que muitos transtornos mentais iniciam na
adolescência e muitas vezes é difícil para a família entender que o jovem
precisa de ajuda especializada e que não são só “sintomas” de adolescência. A
demora em receber o tratamento adequado, o tabu e o preconceito das pessoas em
procurar o psiquiatra e o psicólogo são problemas que precisam de atenção.
Para ela, existe uma dificuldade de acesso a serviços de saúde,
tanto para tratamento de uso de substâncias, quanto para jovens com comportamentos
suicidas.
Além disso, é preciso um tratamento mais humano pelos
profissionais de saúde quando as pessoas conseguem acessar esses serviços.
“Tenho relatos de pessoas que foram maltratadas em prontos-socorros ou pelo
médico. E isso é uma coisa comum. Eles não têm a formação em prevenção”, disse.
“É preciso sensibilizar os profissionais que eles estão lidando com dor, que o
suicídio é a resposta a uma dor terrível que a pessoa não conseguiu outra
saída”.
Tentativas
repetidas
Um grande fator de risco para o suicídio são as tentativas
anteriores. Segundo Karen, os primeiros 30 dias depois da alta é o período de
risco aumentado porque não há uma continuidade no cuidado com essas pessoas. “O
que levou uma pessoa a tentar suicídio foi um sofrimento intenso e isso não vai
embora. É preciso continuidade em termos de tratamento psiquiátrico e
psicológico para a aceitação, para que não haja novas tentativas”, explicou.
Ela ressaltou, entretanto, que quem tenta o suicídio não está
fadado a repetir esse comportamento, mas precisam de tratamento adequado.
Karen contou que um estudo da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp) mostrou diminuição no risco de tentativas repetitivas de suicídio com
o acompanhamento telefônico das pessoas que tentaram suicídio após a alta
hospitalar. “Isso poderia ser feito por qualquer pessoa treinada. Eles apenas
ligavam para saber como o outro estava”, explicou. “O retorno para casa dessas
tentativas é mais difícil e precisa ser acompanhado para que a pessoa possa
seguir caminhos mais saudáveis”.
Sobreviventes
enlutados
Os sobreviventes enlutados, familiares ou amigos de pessoas que
cometeram suicídio também merecem atenção, segundo Karen. Ela coordena um grupo
de apoio aos enlutados pelo suicídio. “Há um julgamento muito grande e um
julgamento transferido, julga aquele que tenta o suicídio e, quando ele
consegue, julga quem fica porque não viu os sinais. É preciso olhar para quem
perdeu alguém com empatia”, disse.
O aposentado Ivo Farias frequenta o grupo coordenado por Karen,
além de outros. “Você para de viver. Você luta para se manter vivo, a vida
perde o significado e, no meu caso, o significado é lutar por essa causa [de
prevenção ao suicídio]. A maioria fica no anonimato porque é julgado a todo
instante pelas pessoas a sua volta”, disse.
Ele explicou que, mesmo que a pessoa saiba que não é culpada, ela
se sente responsável pela pessoa que se foi. “Sente uma certa incompetência
porque não conseguiu mantê-la vida. A grande maioria dos enlutados esconde”,
explicou.
Para Ivo, quando mais se falar em suicídio menos as pessoas vão
ter receio em procurar ajuda e pedir apoio. “Nós enlutados somos suicidas em
potencial. No primeiro ano [após a morte da filha], eu passava em viaduto e
ficava pensando em me jogar. É uma dor que não diminuiu. Ou você se fortace e
busca uma alternativa ou você definha e morre. Quando se fala abertamente, se
consegue falar a palavra, a gente consegue superar”, disse.
CVV
O Centro de Valorização da Vida (CVV) realiza apoio emocional e
prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas
que querem e precisam conversar, sob total sigilo, 24 horas todos os dias.
Ele atende pelo número de
telefone 141 ou diretamente no posto regional. Em cidades sem posto de
atendimento do CVV, as pessoas podem utilizar o atendimento por chat,
skype e e-mail disponíveis na página do CVV .
Agência
Brasil