Segunda-feira, 08 de julho de 2019
Novos
diálogos entre o ministro da Justiça, Sergio Moro, e integrantes da
força-tarefa da Lava Jato —vazados por uma fonte anônima ao The Intercept
Brasil e publicados neste domingo em parceria com o jornal Folha de S.Paulo—,
mostram que o ex-juiz orientou os procuradores da operação a tornarem públicos
dados sigilosos que envolviam contratos da Odebrechet na Venezuela. “Talvez
seja o caso de tornar pública a delação dá Odebrecht sobre propinas na
Venezuela. Isso está aqui ou na PGR?”, teria afirmado Moro ao chefe da força-tarefa
de Curitiba, Deltan Dallagnol, em mensagem enviada em 5 de agosto de 2017 pelo
Telegram. De acordo com a reportagem, orientados pelo ex-magistrado, os
procuradores em Curitiba “dedicaram meses de trabalho ao projeto e chegaram a
trocar informações com procuradores venezuelanos perseguidos por [Nicolás]
Maduro”, como reação ao endurecimento do regime chavista contra membros do
Ministério Público do país. “Haverá críticas e um preço, mas vale pagar para
expor e contribuir com os venezuelanos”, teria dito o procurador.
A reportagem abre um
capítulo internacional no escândalo, que vem sendo destrinchado desde 9 de
junho, inicialmente pelo The Intercept, que posteriormente envolveu a Folha, a
Veja e outros parceiros. Moro e os integrantes da Lava Jato, por sua vez, não
reconhecem a autenticidade das mensagens vazadas. Os novos vazamentos chegam
também no mesmo dia em que uma pesquisa Datafolha revela que a maioria dos
brasileiros desaprova a conduta de Moro, embora a maioria não veja razões para
que ele deixe o cargo de ministro e considere justa a prisão do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva —a principal sentença tomada pelo ex-magistrado
quando à frente da operação. Apesar das consequências jurídicas ainda incertas
(sobretudo porque os próprios veículos de comunicação têm reiterado que o
conteúdo entregue a eles é vasto e muito ainda precisa ser destrinchado pelos
jornalistas), alguns juristas veem na relação entre Moro e os procuradores
razões para a defesa dos acusados pedir a revisão de processos decididos pelo
então juiz, por considerá-lo parcial.
A Odebrecht reconheceu em 2016 ter pago propina para fechar
contratos com 11 países além do Brasil, entre eles a Venezuela, Entretanto, o
acordo fechado pela construtora (assinado por autoridades brasileiras,
norte-americanas e suíças) previa a garantia de sigilo do caso pelo Supremo
Tribunal Federal e que as informações só poderiam ser compartilhadas com
investigadores dos países se não houvesse consequências contra a empresa e seus
executivos. De acordo com a reportagem, os procuradores debateram por meses a
viabilidade de quebrar o sigilo do acordo e as consequências políticas da ação,
tanto no Brasil quanto no país vizinho. Alguns manifestaram, inclusive, a
preocupação de uma eventual quebra de sigilo provocar uma “convulsão social e
mais mortes” na Venezuela (segundo teria escrito o procurador Paulo Galvão).
“Imagina se ajuizamos e o maluco manda prender todos os brasieliros [sic] no
territorio [sic] venezuelano”, respondera o procurador Athayde Ribeiro Costa.
Apesar de terem sido orientados por Russo (apelido que a
força-tarefa usa para se referir a Moro) a revelar o teor das delações
sigilosas da Odebrechet, a Lava Jato esbarrou em algumas dificuldades para
colocar a ideia em ação. Um dos obstáculos teria sido a falta de interlocutores
do Ministério Público na Venezuela, após a procuradora-geral Luisa Ortega Díaz
ter sido destituída por Nicolás Maduro. O regime a acusara de chefiar um
esquema de extorsões (o que ela nega), e a ex-procuradora-geral venezuelana se
refugiou na Colômbia. Outra dificuldade é que os membros da força-tarefa também
não poderiam contar mais com a ajuda de Moro, que por fim deixou o cargo para
assumir um cargo no Governo Bolsonaro. Também encontraram resistências no
Supremo Tribunal Federal, diz a Folha.
Tanto Moro quanto a Lava Jato voltaram a rechaçar o teor das
mensagens e a questionar a origem do conteúdo vazado e a sua autenticidade. “O
Ministro da Justiça e da Segurança Pública não reconhece a autenticidade das
supostas mensagens obtidas por meios criminosos e que podem ter sido
adulteradas total ou parcialmente”, informou Moro, por sua assessoria. “O
material apresentado pela reportagem não permite verificar o contexto e a
veracidade das mensagens”, afirmou a assessoria da Lava Jato. A Folha, por sua
vez, reiterou que seus repórteres não encontraram nenhum indício de que o
material obtido tenha sido adulterado.
Maioria acha “inadequada” postura de Moro
Levantamento do Datafolha divulgado neste domingo mostra que 63% dos
brasileiros tomou conhecimento das mensagens entre Moro e integrantes da Lava
Jato vazadas há um mês. A maioria considera a conduta de Moro inadequada (58%
dos 2.086 entrevistados entre os dias 4 e 5 de julho em 130 cidades), 31%
aprovam a postura do ex-juiz e 11% não souberam opinar. A margem de erro é de
dois pontos percentuais, para mais ou menos.
Para 58% dos entrevistados, se comprovadas as irregularidades,
eventuais decisões de Moro na Lava Jato devem ser revistas. Já na opinião de
30% dos entrevistados, o combate à corrupção faz vale a pena eventuais desvios
de conduta. Mesmo assim, a maioria é favorável à prisão do ex-presidente Lula
(sentenciado à cadeia por Moro) e considera a pena justa (54%), enquanto 42%
consideram a prisão do petista injusta e 4% não souberam opinar.
A aprovação pessoal do ministro também caiu de 59% para 52%.
Entretanto, 54% dos ouvidos não vê motivos para ele deixar o cargo.
EL País