Terça-feira, 16 de Fevereiro de 2016.
O ministro
Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse nesta segunda-feira que
as próximas eleições municipais poderão ser abastecidas com recursos desviados
da Petrobras. Ele anunciou a criação de uma área de Inteligência no Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), cuja presidência assume em maio, para que o país
"não seja surpreendido" no pleito marcado para outubro. "Essa é
uma questão delicada sobre a qual vamos ter que discutir. Se de fato houve
apropriação de recursos ilícitos em montantes muito significativos pode ser que
esses recursos venham para as eleições na forma de caixa 2 ou até na forma
disfarçada de caixa 1. Vamos ter as doações de pessoas físicas. Pode ser que
esses recursos sejam dados a essas pessoas para que façam a doação aos partidos
políticos ou aos candidatos. Tudo isso precisa ser olhado com muita
cautela", alertou Gilmar Mendes.
Em São
Paulo, onde participou de um evento na sede da Federação das Indústrias
(Fiesp), o ministro alertou "os escândalos todos que se acumulam, associados
muitas vezes ao financiamento eleitoral".
O ministro
considera que será "um desafio" coibir o caixa 2 nas próximas
eleições e conclamou a sociedade. "Temos uma eleição desafiadora. Pela
primeira vez vamos ter uma eleição sem doação de pessoa jurídica privada.
Portanto, corremos o risco de termos caixa 2, não cumprimento do que está na
legislação e, para isso, temos que contar com o auxílio da comunidade, dos
vários setores, OAB, Ministério Público, CNBB, para evitar que esses abusos
desautorizem, tornem um desvalor para o nosso sistema. Não podemos tornar essa
eleição agora um império do caixa 2, um mundo de faz de conta. Por isso temos
um grande desafio."
Ele
criticou enfaticamente o veto às empresas de fazerem repasses nas campanhas em
2016, pela primeira vez, o processo eleitoral seguirá esse modelo. O ministro
não citou nenhum partido, mas apontou para o esquema de propinas na estatal
petrolífera desmontado pela Operação Lava Jato. "Uma questão fácil, típica
até do populismo constitucional, agora a gente vai resolver o problema. A causa
da corrupção está no financiamento privado. Logo, tudo o que ocorreu aí,
especialmente agora no Petrolão, está associado a esse fenômeno. O próprio
Supremo disse que o financiamento privado é inconstitucional, então estamos
absolvidos, até anistiados. Absolvidos, claro. Vamos entrar numa nova fase.
Façam o que quiserem, não tomem a gente como bobos. Respeitem a inteligência
alheia."
O
ministro invocou seu próprio voto no Supremo, ainda em 2015, contra a proibição
imposta às pessoas jurídicas de doarem aos políticos. Ele disse que, se "o
partido do governo" recebeu um terço dos desvios na Petrobras - estimados
em 20 bilhões de reais -, poderá financiar suas campanhas por longos anos.
"Se ele (PT) gastou na campanha presidencial (de 2014, quando Dilma
Rousseff foi reeleita) 360 milhões de reais, então tem dinheiro para campanhas
aí até 2038, não é? Precisamos olhar isso com cuidado."
A
estratégia para coibir o caixa 2, segundo avaliação de Gilmar Mendes, passa
pela mobilização da sociedade e pela estruturação de uma área estratégica na
Corte eleitoral. "Vamos ter que criar um sistema de Inteligência,
conversar com a Receita Federal, conversar com o Tribunal de Contas da União,
com o Banco Central, com a Polícia Federal, para que estejamos devidamente
informados e não sejamos surpreendidos. Quando lidei com a prestação de contas
da presidente da República chamei para compor a equipe do Tribunal (Superior
Eleitoral) técnicos do TCU, do Banco Central, do Conselho de Contabilidade.
Precisamos renovar isso, mas de uma maneira permanente. É preciso que olhemos
isso de maneira ampla e tenhamos uma estrutura permanente de cooperação para
evitarmos surpresas."
Para
Gilmar Mendes, "certamente haverá métodos, tentativas de burlar a legislação"
nas eleições.
"Veja
que, em grande parte dos municípios, pequenos municípios, os vereadores, em
princípio, não poderão gastar mais que 8 mil reais. Essa foi a decisão do
Congresso. É uma quantia pequena. Talvez tenhamos uma campanha ecológica. Essas
pessoas farão campanha de bicicleta, não é? Porque não dá para comprar muitos
tanques de gasolina considerando esse limite. As campanhas para prefeito não
podem ultrapassar 100 mil reais. Ora, vamos ter que lidar com isso e, de fato,
informar a sociedade, divulgar quais são os limites nos 5.800 municípios
brasileiros e chamar a atenção. Não dispomos de fiscais na Justiça eleitoral
para dar atenção a todos esses municípios. A própria sociedade terá que
fiscalizar. A disputa municipal, às vezes, é muito mais acirrada do que a
disputa nacional. Então, é muito provável que haja ânimo de violar a
legislação, especialmente na ausência de uma fiscalização mais visível."
Sobre
os quatro pedidos de cassação de mandato da presidente Dilma e do vice Michel
Temer, sob crivo do Tribunal Superior Eleitoral, o ministro disse que não
acredita em manobras protelatórias. "Agora que houve a citação vamos ter a
apresentação das provas, a oitiva de testemunhas. Não acredito que haja
manobras dilatórias. E, se houver, o Tribunal dispõe de mecanismo para inibir.
Quer dizer, eventualmente decidir ouvir uma testemunha em Marte, ou coisas do
tipo, são manobras que de vez em quando ocorrem, claro que estou falando em
sentido figurado, mas coisas desse tipo o juiz pode indeferir, provas
impossíveis ou coisas dessa índole. De modo que não acredito que haja essa
possibilidade, nem cogito que, de fato, a assessoria jurídica da presidente e
do vice vá se orientar nesse sentido. Não nesse sentido, não me parece ser o
padrão adequado. Acredito que nesse período vamos ter essa decisão e é bom para
o País. Se for uma decisão de rejeição (dos pedidos de cassação) pacifica essa
temática. Se for uma decisão eventual de acolhimento também se resolve o
tema."
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