Terça-feira, 05 de setembro de 2016
Doutor Dráuzio Varela
Tanta gente toma remédio para dormir que o
sono espontâneo virou extravagância.
Na vida urbana, vivemos tão atormentados por compromissos e
preocupações que até me surpreende nossa capacidade de fechar os olhos e pegar
no sono à noite.
Estudos multinacionais mostram que a prevalência de insônia
crônica entre os adultos varia de 3,9% a 22%, a depender da definição adotada.
Quando usamos a classificação ICSD-3 a prevalência oscila entre 9% e 12%.
A ICSD-3 define como insônia crônica a condição que se instala
quando surge um ou mais dos seguintes problemas, pelo menos três vezes por
semana, por pelo menos três meses:1) Dificuldade para iniciar o sono. 2)
Dificuldade para mantê-lo. 3) Acordar mais cedo do que o desejado. 4)
Resistência para deitar num horário razoável. 5) Dificuldade para dormir sem um
parente ou um cuidador.
Quando a duração desses transtornos é menor do que três meses, a
insônia é classificada como de curta duração.
A primeira recomendação para os insones –crônicos ou não– é
adotar o conjunto de medidas conhecido como higiene do sono.
Entre outras:Não tomar café, bebidas alcoólicas,
refrigerantes, ou energéticos, pelo menos seis horas antes de deitar. 2) não
assistir à televisão na cama. 3) não deitar com o estômago repleto. 4) em vez
de rolar na cama, ler com a luz indireta de um abajur. 5) abandonar a vida
sedentária.
Insônia não é mera inconveniência, é um distúrbio associado ao
aumento do risco de morte, doença cardiovascular, depressão, obesidade,
dislipidemia, hipertensão, fadiga e ansiedade. Nos quadros crônicos, está
associada a acidentes automobilísticos, domésticos e no trabalho.
O principal tratamento não farmacológico é a terapia
cognitivo-comportamental, que envolve: higiene do sono, técnicas de relaxamento
e controle dos estímulos que mantém a vigília.
Dezenas de estudos mostram que ela é superior ao uso de
medicamentos, tanto na eficácia como na duração dos efeitos benéficos. Na
literatura médica, a melhora está documentada mesmo na presença de dores
crônicas, artrites, enxaqueca, depressão, estresse pós-traumático, câncer,
doenças pulmonares obstrutivo-crônicas e esclerose.
Os entraves são os custos, a falta de
profissionais treinados e o acesso pelo sistema público ou por meio dos planos
de saúde. Para contorná-los surgiram as terapias em grupo e as plataformas
on-line que trazem os ensinamentos básicos, passo-a-passo, em programas de seis
a oito semanas.
O mais eficiente dos componentes da terapia
cognitivo-comportamental é a restrição de sono, estratégia por meio da qual o
tempo de permanecer na cama é reduzido. A privação aumenta a pressão para
dormir na noite seguinte.
Há muito, a atividade física é recomendada como parte da higiene
do sono. Até 2014, as recomendações eram as de que os exercícios deveriam ser
evitados no período que antecede a hora de deitar, porque alterariam o ritmo circadiano
do organismo, aumentariam a temperatura corpórea e estimulariam a vigília.
Nesse ano, foi publicado um estudo com mais de 1.000
participantes de 23 a 60 anos. Não houve diferença na avaliação das
características do sono entre aqueles que faziam ou não, exercícios de
intensidade moderada ou vigorosa à noite, menos de quatro horas antes de
deitar.
Com base nessa e em outras observações, os especialistas
consideram não haver razão para contraindicar a prática de exercícios à noite.
Em estudos randomizados, ioga, tai chi, meditação e técnicas de
relaxamento demonstraram melhorar a qualidade subjetiva e a duração do sono. No
entanto, a falta de uniformidade na escolha dos participantes, nas intervenções
e nos critérios de avaliação confundem a interpretação dos resultados e a
indicação dessas técnicas como tratamento exclusivo.
E os remédios?Devem ser prescritos apenas nos casos refratários, em que os
demais recursos foram esgotados. Os efeitos colaterais não são alarmantes como
imaginávamos no passado, mas estão longe de ser desprezíveis. O impacto do uso
prolongado na cognição e na incidência de quadros demenciais não está claro.
O ideal é que o uso seja intermitente, reavaliado a cada três ou
seis meses, no máximo.
Dráuzio Varela é médico e escritor/Portal Nordeste 1