Terça-feira, 17 de dezembro-(12) de 2024
Mortes caíram para nível mais baixo
da série histórica, mas especialista avalia que avanço está estagnado nos
últimos anos
O Ministério da Saúde divulgou, nesta quinta-feira à
noite, o novo boletim epidemiológico sobre HIV/Aids no Brasil com dados de 2023 e parciais de 2024.
Os números mostram que, no ano passado, houve 46.495 novos registros de
infecções pelo HIV, um aumento de 4,5% em relação a 2022. Além disso, foram 38
mil casos de Aids, 2,5% a mais que no ano anterior.
Sobre os casos de HIV e Aids, ambos os números aumentaram pelo terceiro
ano consecutivo e são os mais altos desde 2019. Os registros haviam caído de
forma significativa em 2020, com a restrição do acesso ao diagnóstico durante a
pandemia, e voltaram a subir com a retomada dos serviços de saúde.
No entanto, Alexandre Naime Barbosa, chefe da Infectologia da
Universidade Estadual Paulista (Unesp) e coordenador científico da Sociedade
Brasileira de Infectologia (SBI), diz que não há mais um efeito da Covid na
alta de 2023.
— O aumento no número de casos novos até 2022 em relação ao início da
pandemia ainda refletia a falta de testagem disponível naquele período. Mas
nesse boletim agora, referente a 2023, já não temos mais um efeito da pandemia
— explica o especialista em em HIV/Aids.
Os números de HIV e Aids são diferentes porque, embora o HIV seja o
vírus que cause a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids), hoje o
tratamento antirretroviral (TARV) consegue impedir essa evolução. Por isso, nem
toda pessoa que vive com HIV tem Aids.
Em relação ao perfil do novos casos, o boletim mostra que 70,7% foram
entre homens; 63,2% entre pessoas pretas e pardas e 53,6% entre homens que
fazem sexo com outros homens (HSH). A faixa etária com mais registros (37,1%) é
a de 20 a 29 anos de idade. O perfil é semelhante ao dos casos de Aids.
Em 2024, os números parciais do documento indicam
que, até junho, foram detectadas 19.928 infecções pelo HIV e 17.889 casos de
Aids. Em comunicado, o Ministério da Saúde atribui o crescimento dos casos de
HIV à ampliação da testagem com a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP). A estratégia
envolve comprimidos diários para prevenir a infecção pelo vírus e é ofertada no
Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2017.
O país chegou, no final de novembro, a 109 mil pessoas usuárias da
profilaxia. O número mais que dobrou em relação a 2022, quando eram 50,8 mil.
De acordo com a pasta, a PrEP leva a mais diagnósticos porque, para dar início
à estratégia, um dos requisitos é fazer o teste e saber se a pessoa já vive com
o HIV e não sabe.
De fato, o Ministério da Saúde anunciou, com base em dados do Programa
Conjunto das Nações Unidas para o HIV e a Aids (Unaids), que o Brasil alcançou
a marca de 96% das pessoas estimadas que vivem com HIV devidamente
diagnosticadas em 2023, um aumento em relação aos 90% de 2022.
Mas, em relação ao impacto da PrEP, Naime Barbosa não acredita que a
estratégia justifique sozinha a alta observada de novos casos em 2023. Ele cita
que os números mostram “paradoxos”, já que se esperaria que a ampliação da
profilaxia na verdade reduzisse as novas infecções:
— Há ganhos importantes, mas também incongruências inaceitáveis no atual
cenário com tantas tecnologias disponíveis de tratamento e prevenção. Apesar do
aumento da testagem poder explicar em parte o aumento dos casos de HIV, esse
incremento também indica que as políticas de prevenção e de tratamento precoce
precisam ser melhor otimizadas. Se por um lado a expansão de PrEP aumenta a
testagem, por outro deveria reduzir os casos já que é uma estratégia de
prevenção. Então é uma ferramenta que ainda precisa de muita otimização.
Na cidade de São Paulo, por exemplo, que com 26,5 mil usuários de PrEP
responde por cerca de um quarto da estratégia no país, o boletim mostra que não
houve um crescimento significativo de casos de HIV em 2023, como em âmbito
nacional, com praticamente o mesmo número de novas infecções registrado em
2022.
Além disso, as sucessivas quedas desde o ano de implementação da profilaxia levou o município a ter a menor taxa de detecção de HIV (21,7 a cada 100 mil habitantes) entre todas as capitais do Brasil no ano passado. Em Manaus, que lidera a lista, foi quase o triplo, 63,6 casos a cada 100 mil habitantes.
Mortalidade pela Aids em queda
Em 2023, o Brasil registrou 10.390 mortes causadas pela Aids, o menor
número já registrado segundo o DataSUS, que tem dados desde 1996. No entanto,
não houve uma diminuição significativa em relação a 2019, por exemplo, quando
foram 10.687 vítimas fatais.
— O coeficiente de mortalidade não caiu significativamente nos últimos 4
anos, tem se mantido estável em torno de 4 óbitos/100.000 habitantes a cada
ano, apesar do tratamento estar cada vez mais fácil e eficaz. Isso acontece
pelo alto percentual de diagnóstico tardio, já na fase de Aids, e também em
taxas altas de abandono de tratamento — avalia Naime Barbosa.
O Ministério da Saúde reconhece que um desafio é “revincular as pessoas
que interromperam o tratamento ou foram abandonadas”, alegando que muitos casos
de interrupção ocorreram “no último governo”, além de “disponibilizar o
tratamento para todas as pessoas recém diagnosticadas para que tenham melhor
qualidade de vida”.
Por: O GLOBO