Sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025
Enviado americano cancela entrevista
com presidente; premiê francês vê risco de guerra
Poucas horas depois de Donald Trump levar a relação com a Ucrânia
a um ponto de ruptura, chamando Volodimir Zelenski de ditador, a Rússia cobriu
o território do país invadido há três anos com 161 drones e 14 mísseis, em um
dos maiores ataques da guerra.
Nesta manhã de
quinta (20), o Kremlin elevou o tom contra a sugestão britânica de enviar uma
força de paz europeia para salvaguardar a segurança de Kiev em caso de um cessar-fogo.
De seu lado, a França afirmou ver “risco existencial” na crise e “o maior risco
de guerra desde 1945”, nas palavras do premiê François Bayrou.
Tudo isso é
resultado do impacto da rixa entre Trump e Zelenski, que chegou a um ápice na
quarta (19). O americano havia irritado o ucraniano ao deixar o país e a Europa
de fora das negociações que abriu diretamente com Vladimir Putin para tratar do
conflito e outras rusgas.
Afirmou que o
presidente vivia numa “bolha desinformativa” e que não iria “vender o país”,
referência à oferta dos EUA de ficar com US$ 500 bilhões em minerais ucranianos
em troca do apoio militar. Trump respondeu furiosamente, questionou a
legitimidade de Zelenski, o chamou de ditador e exigiu que ele aceite a
negociação.
O ucraniano foi
defendido por aliados, como os premiês Olaf Scholz (Alemanha) e Keir Starmer
(Reino Unido). Nesta quinta, o porta-voz da União Europeia, Stefan de
Keersmaecker, disse: “A Ucrânia é uma democracia. A Rússia de Putin, não”.
Ainda nesta
quinta, o conselheiro de Segurança Nacional de Trump, Mike Waltz, manteve o tom
duro em entrevista à Fox News. “Eles [ucranianos] precisam baixar o tom e dar
uma boa olhada e assinar aquele acordo”, disse, em referência à cessão de
minerais aos EUA. Ele afirmou que é possível chegar a um acordo.
O enviado de Trump
para a região, Keith Kellogg, encontrou-se com Zelenski. A seu pedido, a
entrevista coletiva que os dois dariam foi cancelada, algo sugestivo do azedume
entre os países.
O Kremlin manteve
a pressão com seu ataque noturno, que mirou instalações de gás em Kharkiv
(norte do país) e uma estação energética na região de Odessa (sul), que feriram
ao menos uma pessoa. Foi o segundo mega-ataque da semana, desenhado para manter
pressão sobre Kiev, que disse ter derrubado 80 drones.
Já com o sol a
pino no fuso de Moscou, seis horas a mais do que Brasília, o porta-voz de
Putin, Dmitri Peskov, elaborou a queixa feita na véspera pelo chanceler Serguei
Lavrov contra o envio de tropas ocidentais à Ucrânia.
“Isso causa
preocupação para nós, estamos monitorando bem de perto”, afirmou. “É
inaceitável”, disse, em referência ao plano publicando pelo jornal britânico
Telegraph, segundo o qual Londres e talvez Paris mandariam 30 mil soldados para
a Ucrânia.
Eles não ficariam
na linha de frente, e sim baseados em cidades importantes na retaguarda de uma
zona desmilitarizada, ao estilo da que separa as duas Coreias desde 1953. As
sedes seriam Krivii Rii, Poltava e Dnipro, essa a capital da província mais
rica em minerais do país e objeto do teste do míssil russo Orechnik em
novembro.
Na véspera, Lavrov
havia dito que tal contingente implicaria uma “ameaça direta à Rússia”. Um dos
“casus belli” de Putin em 2022 foi o temor alegado de que a Ucrânia entrasse na
Otan, a aliança militar ocidental. Agora, Trump, presidente do país que comanda
o clube na prática, diz concordar com ele.
Com esse cenário
sombrio para Zelenski e seus aliados europeus, o presidente francês, Emmanuel
Macron, convocou uma reunião com líderes políticos de seu país para discutir o
que fazer. Até aqui, as 30 nações europeias da Otan, França e Reino Unido
incluídas, estão atordoadas pelo cavalo de pau de Trump.
Não que ele não
fosse previsível, dadas diversas declarações do americano ao longo da campanha
e após ser eleito, em 2024. Mas ele começou o mandato sem plano claro e dando
sinais ambíguos a Moscou, que não gostou e reagiu. Ato contínuo, estendeu a mão
a Putin em um telefonema.
Em Paris, o drama
está no ar. O premiê Bayrou falou em risco de guerra, emulando o temor de
outros líderes, como o próprio Starmer e a dinamarquesa Mette Frederiksen. Já o
secretário-geral da Otan, o holandês Mark Rutte, tem pedido cautela para
examinar a situação.
Por: Folhapress