Segunda-feira, 23 de abril de 2018
Na vida real, primeiro imperador do Brasil não era tão belo
quanto retratam as pinturas oficiais da época, segundo estudo inédito
Inédita reconstituição facial mostra homem com nariz deformado em decorrência de suposta fratura não tratada e nunca antes descrita na literatura especializada
A despeito de sua imagem de sedutor e galã,
o primeiro imperador do Brasil, Dom Pedro I, não era tão garboso quanto
ilustram as pinturas oficiais daquele tempo, que estampam livros escolares e
povoam o imaginário do brasileiro. Uma inédita reconstituição facial feita em
3D a partir de fotografia do crânio do monarca mostra um homem com o nariz com
uma deformidade em decorrência de uma suposta fratura ocorrida em vida, nunca
descrita na literatura especializada, e que não teria sido tratada de maneira
adequada.
A reconstrução realista da face do imperador é resultado de um
projeto idealizado pelo advogado José Luís Lira, professor da Universidade
Estadual Vale do Aracaú, do Ceará. Ele adquiriu os direitos sobre uma
fotografia realizada em 2012, quando os restos mortais do imperador foram
exumados da cripta localizada no bairro do Ipiranga, zona sul de São Paulo,
para um estudo científico realizado pela USP (Universidade de São Paulo).
Devidamente autorizado pela Casa Imperial do Brasil — cujos representantes,
herdeiros de Dom Pedro I, zelam por sua memória —, convidou o designer Cícero
Moraes para realizar o trabalho de reconstituição.
As imagens foram encaminhadas ao
perito legista Marcos Paulo Salles Machado, chefe do Serviço de Antropologia
Forense do IML (Instituto Médico Legal) do Rio de Janeiro e ex-presidente da
Abraf (Associação Brasileira de Antropologia Forense). Sem saber que se tratava
do crânio de D. Pedro, ele estimou a idade como sendo de um adulto jovem — o
primeiro imperador do Brasil morreu em 1834, pouco antes de completar 36 anos —
de origem europeia. E cravou que o mesmo havia sofrido uma fratura no nariz.
"O crânio dele tem uma deformação nos ossos nasais que sugere uma lesão,
fruto de ação contundente da esquerda para a direita. Ele pode ter batido com o
nariz e sofrido uma pequena fratura nessa região", disse o perito, à BBC
Brasil.
De acordo com o escritor e
pesquisador Paulo Rezzutti, autor da biografia D. Pedro: a História Não Contada — o
Homem Revelado por Cartas e Documentos Inéditos, não há nenhum
registro de que o monarca tenha quebrado o nariz em vida. Mas quedas de cavalo
eram comuns na vida atribulada do imperador. "Ele teve uma queda feia em
1824. E, alguns anos depois, teve um acidente ainda mais grave de carruagem na
Rua do Lavradio, no Rio de Janeiro", pontua o biógrafo.
Reconstrução feita em 3D a partir de fotografia do crânio do monarca. Maurício de Paiva/National Geographic Brasil, cedida por José Luís Lira
Lira conta que tomou a iniciativa de conduzir a reconstrução
facial do imperador por admirar sua biografia, de "um liberal para sua
época, defensor do pensamento constitucional em detrimento ao absolutismo então
reinante".
Ele conta que desde 2015 vinha
conversando com o tetraneto de Pedro I, Bertrand de Orleans e Bragança, de quem
obteve a autorização para realizar o procedimento a partir de imagens coletadas
durante a exumação do imperador, em 2012. Lira, então, adquiriu uma imagem
realizada na época e contou com os trabalhos do designer Cicero Moraes. "É
uma alegria poder fazer com que todos os brasileiros conheçam a verdadeira face
do homem que proclamou a Independência do Brasil e foi nosso primeiro imperador",
afirmou Lira.
O processo de reconstrução foi um pouco diferente do
convencional, já que Moraes contava com apenas uma imagem. "Entretanto, a
superfície que sustenta o crânio é reflexiva, então é como se tivéssemos duas
imagens. Com duas imagens podemos fazer triangulações tridimensionais e obter
pontos importantes do crânio", explica ele. "O que fiz foi utilizar
um doador virtual, ou seja, um crânio tridimensional de outro indivíduo, e
adaptar a estrutura deste doador ao crânio de Dom Pedro I. Ao final do processo
consegui fazer um 'match' entre a foto e o modelo 3D."
O designer avalia que o
imperador "era um homem de aparência agradável". Mas ressalta o
"nariz assimétrico". "Essa assimetria é bastante atenuada quando
a captura da face é feita levemente pela lateral", sugere.
De certa forma, a face realista
de D. Pedro I pode corroborar mais ainda a noção popular que ele era um homem
muito mais próximo do povo do que da nobreza.
Segundo seu biógrafo Paulo
Rezzutti, é essa característica popular que faz de D. Pedro um personagem tão
simpático ao imaginário brasileiro.
"Porque ele foi, como o
caipira diz, 'gente como a gente, de bunda atrás e nariz na frente'",
afirma. "D. Pedro foi tão escrachado em tudo o que fez que não tem como
deixar ao menos de gostar de sua autenticidade. Ele foi criado nas ruas do Rio
de Janeiro, com o povo, gostava de música e de farra, como qualquer adolescente
até hoje. O problema é que ele foi mulherengo a vida toda e isso deixou marcas
profundas na forma como as pessoas passaram a vê-lo."
Pesquisadores costumam concordar
que o grande legado de D. Pedro I ao Brasil — além, é claro, da própria
independência — foi a Constituição de 1824, a primeira do País.
"Nela, são vistos os ideais
liberais de D. Pedro I. E ela durou até a queda da monarquia, em 1889 — é a
Constituição mais longeva que o Brasil já teve", conta Rezzutti.
"A Constituição de 1824
mostra, de forma explícita, o seu interesse pela educação no Brasil, em que
determinava que ela deveria ser dada para todos, independente de cor, religião,
credo ou posição social. A criação dos cursos Jurídicos no Brasil, em 1827, foi
obra de sua gestão como imperador do Brasil."
"O maior legado de D. Pedro
I para o Brasil foi a Constituição de 1824", concorda a historiadora
Isabel Lustosa, autora de D. Pedro I - Um Herói Sem Nenhum
Caráter.
"Apesar de ter sido uma
constituição outorgada, quer dizer, dada pelo imperador à nação, depois dele
ter dissolvido a Assembleia Constituinte em novembro de 1823, adotar uma forma
de governo constitucionalista em um ambiente internacional dominado pela Santa
Aliança foi uma atitude revolucionária. Foi uma constitucional liberal e
avançada para o tempo, incluindo direitos e garantias individuais."
Cícero Moraes também foi responsável por reconstituir rosto de São Valentim. Cícero Moraes / Divulgação
Orleans e Bragança, o tetraneto do imperador, é de opinião
semelhante. "D. Pedro I é o responsável pela nossa unidade territorial — e
também política, psicológica e social. Além da Independência, também nos legou
a Constituição de 1824, que não era casuística como a atual Constituição
Brasileira", diz ele.
Enquanto fazia a imagem de D.
Pedro, o designer Moraes pensava na proximidade que um personagem de tal
dimensão tem na vida do brasileiro. "É como um amigo, um parente, alguém
que conviveu com a gente em parte considerável da vida", comenta,
lembrando que imagens do imperador são mostradas na escola e em produções da
cultura pop.
Recentemente, Moraes também
reconstruiu em 3D o que se supõe ser a verdadeira face de São Valentim, o santo
padroeiro dos namorados.
BRASIL por BBC BRASIL
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