Sábado, 29 de março-(03) de 2025
Estudo testou 188 trabalhadores de abatedouros em municípios da
Paraíba e atestou que 16 participantes positivaram para brucelose.
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Teste de antígeno para testagem de brucelose em humanos, na Paraíba. Arthur Willian/ Arquivo Pessoal |
Uma pesquisa inédita na Paraíba, coordenada pelo doutor
Arthur William de Lima Brasil, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB),
revelou a presença da bactéria Brucella (que causa a doença brucelose) em seres
humanos, especificamente em trabalhadores de abatedouros. O estudo, realizado
entre dezembro de 2021 e fevereiro de 2022, e publicado neste mês de março de
2025, marcou o primeiro registro de brucelose humana no estado. Até então a
doença só era identificada em animais, especialmente bovinos.
A brucelose é uma doença zoonótica,
transmitida de animais para seres humanos, e afeta principalmente trabalhadores
expostos ao manejo de animais, como os que atuam nos abatedouros. Durante o
estudo, foram testados 188 trabalhadores de abatedouros, com idades entre 18 e
65 anos, localizados em municípios como Campina Grande, Patos, Santa Rita,
Sapé, Itapororoca e Mamanguape. A pesquisa revelou que 4,2% dos participantes
(ou 16 trabalhadores) apresentaram resultados positivos para a doença.
O estudo também revelou uma falta de
conscientização entre os trabalhadores, já que 15 dos 16 indivíduos que
testaram positivo para brucelose declararam não conhecer a doença. A pesquisa
foi realizada por meio da coleta de amostras de sangue dos trabalhadores, sendo
a presença da bactéria Brucella detectada por testes sorológicos e PCR.
Em áreas como a Paraíba, onde o controle da
brucelose nos rebanhos é voluntário, a doença pode ser subdiagnosticada e
subnotificada, tornando ainda mais difícil o monitoramento e controle. Os
resultados do estudo são um alerta para outras regiões do Brasil e,
particularmente, para outros estados do Nordeste, onde o risco de transmissão
da doença é igualmente elevado.
A brucelose é conhecida por causar sérios
problemas de saúde, como febre, dores articulares e, em alguns casos,
infertilidade, além de complicações graves quando não tratada adequadamente.
Portanto, a detecção precoce e a conscientização sobre a doença são essenciais
para a prevenção e para a implementação de medidas de controle efetivas.
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Momento da coleta de sangue em trabalhadores. Arthur Willian/ Arquivo Pessoal |
Como
foi realizada a pesquisa e resultados
A pesquisa focou em trabalhadores de abatedouros, um dos
principais grupos de risco para a brucelose, dada a exposição contínua ao
contato com carne e vísceras de animais infectados. A pesquisa revelou uma alta
prevalência da doença entre esses trabalhadores, especialmente entre aqueles
que manipulam carne mal passada ou produtos de origem animal sem a devida
inspeção sanitária.
Os dados obtidos mostraram que o consumo de
carne mal passada estava fortemente associado ao número de casos positivos para
a brucelose. "Houve uma associação estatisticamente significativa entre o
consumo de carne mal passada e o número de positivos", afirmou o
pesquisador.
A brucelose em humanos pode se manifestar
com sintomas como febre intermitente, dores articulares, orquite e até
infertilidade, sendo a transmissão mais comum associada ao contato direto com
os animais ou à ingestão de produtos contaminados.
O estudo foi baseado em uma amostra de
trabalhadores de abatedouros selecionados por amostragem aleatória simples, com
critérios específicos para inclusão. Os participantes eram maiores de idade -
mulheres não podiam estar grávidas, para evitar complicações com o sistema
imunológico. A pesquisa começou com uma abordagem cautelosa e conversa com os
trabalhadores para explicar os objetivos do estudo e garantir que os
participantes estivessem confortáveis em participar. Foi aplicado um
questionário epidemiológico, que abordava hábitos de consumo, condições de
trabalho e histórico de saúde.
A adesão ao estudo foi facilitada após
esclarecimentos sobre a natureza da pesquisa, uma vez que, inicialmente, havia
resistência com alguns trabalhadores acreditando que os testes seriam
relacionados ao uso de drogas, por exemplo.
Os resultados da pesquisa revelaram dados
alarmantes sobre a prevalência da brucelose entre os trabalhadores de
abatedouros. A pesquisa identificou a presença de Brucella no sangue de um
número significativo de trabalhadores, com destaque para aqueles que manipulam
carne e vísceras sem a utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs)
adequados.
"A resistência ao uso de EPIs é um
problema grave, porque, sem eles, os trabalhadores ficam vulneráveis ao contato
com o sangue e as vísceras dos animais infectados", afirmou o pesquisador
responsável pela pesquisa.
Além disso, o estudo apontou que a falta de
inspeção adequada nos abatedouros privados e públicos contribui para a
disseminação da doença. A pesquisa indicou que muitos abatedouros não realizam
os testes necessários para detectar a brucelose nos animais antes do abate, o
que aumenta o risco de contaminação dos produtos consumidos pela população.
Impactos
na saúde pública
A brucelose não só afeta os trabalhadores
diretamente expostos, mas também representa um risco para a saúde pública, uma
vez que os consumidores de produtos contaminados, como carne e leite não
inspecionados, também estão em risco. A doença pode causar complicações sérias,
como infertilidade, dores articulares e até óbitos, em casos mais graves.
O tratamento de brucelose requer o uso de
antibióticos potentes, o que pode sobrecarregar o Sistema Único de Saúde (SUS),
além de gerar custos elevados. "Essa doença onera bastante o SUS, pois o
tratamento é longo e exige o uso de antibióticos fortes", apontou o
especialista.
A falta de diagnóstico adequado,
especialmente em áreas com baixa cobertura de saúde e conhecimento sobre a
doença, dificulta a prevenção e o tratamento precoce.
Uma das maiores lacunas identificadas pela
pesquisa foi a resistência ao uso de EPIs nos abatedouros, o que facilita a
transmissão da doença entre os trabalhadores. Além disso, a infraestrutura
precária e a falta de programas obrigatórios de vacinação dos rebanhos
contribuem para a propagação da brucelose.
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Pesquisador Arthur Willian ao lado de uma das autoras da pesquisa, Thais de Sousa de Matos, estudante de graduação do curso de Biomedicina da UFPB. Arthur Willian/ Arquivo Pessoal |
O
estudo na Paraíba tem implicações não apenas para a saúde pública local, mas
também para a saúde pública global. A brucelose é uma preocupação crescente em
países emergentes, como China e Índia, e agora, com os dados obtidos na
Paraíba, torna-se um alerta para outras regiões do Brasil e para países em
desenvolvimento.
"Eu
acredito que a internacionalização da pesquisa pode motivar outros países,
principalmente os emergentes, a monitorar a saúde das pessoas que trabalham com
produtos de origem animal e garantir que os alimentos estejam livres da
bactéria Brucella antes de serem comercializados", afirmou o pesquisador.
A
brucelose deve ser uma prioridade nas políticas de saúde pública, com maior
ênfase na testagem massiva, campanhas educativas e, principalmente, na
regulamentação de condições sanitárias adequadas nos abatedouros e no controle
do rebanho bovino. Isso inclui a adesão voluntária dos produtores ao programa
de vacinação contra a doença, algo que ainda não é obrigatório, mas que poderia
reduzir a transmissão.
Por: Erickson Nogueira do Jornal da Paraíba